'Fosse/Verdon': Os demônios do gênio, o reconhecimento da estrela


Quando Fosse/Verdon tem início com o episódio "Life is a Cabaret", o coreógrafo e diretor Bob Fosse está absorvendo as péssimas críticas do longa Charity, Meu Amor, com Shirley MacLaine, e se prepara para entrar naquele que foi um de seus projetos mais prestigiados, o filme Cabaret, com Liza Minnelli. No entanto, nem mesmo o reconhecimento das principais instâncias de premiação do showbizz americano frearam o instinto autodestrutivo de Bob Fosse. Chegando ao seu quarto episódio, "Glory", a minissérie nos mostra um Fosse premiado com o Oscar, o Tony e Emmy, mas completamente falido emocionalmente, chegando a cogitar o suicídio e parando numa clínica psiquiátrica. 

Por um lado, Fosse/Verdon não foge do instinto natural da biografia de um artista como Bob Fosse, mostrando-o como um gênio atormentado pela sua própria incapacidade de administrar a criatividade. É interessante para cinéfilos conhecer esse universo obscuro do diretor e coreógrafo e a série constrói isso muito bem. No entanto, o show de Fosse também tem outra estrela. 


A minissérie da FX desvenda a relação do realizador com a atriz Gwen Verdon, estrela de alguns dos seus principais trabalhos na Broadway como Chicago e sua esposa durante boa parte de sua vida. No entanto, algo que pouquíssima gente sabia era que Verdon teve participação fundamental nas glórias de Bob Fosse, sendo também uma colaboradora ativa na concepção das coreografias e na direção dos mais notórios trabalhos do diretor nos palcos e no cinema.

Com dez epispodios - até o momento, apenas quatro foram ao ar - Fosse/Verdon apresentam ao público aspectos das biografias de ambos que vêm à tona a partir das tensões presentes no relacionamento do casal. Da parte de Fosse, entramos à fundo na sua insegurança e seus problemas com lapsos criativos, sua relação mal resolvida com a sua nunca concretizada carreira como ator, seus traumas numa infância vivida durante uma guerra e sua incapacidade de viver uma relação monogâmica.

Vivido por Sam Rockwell, que tem grandes momentos sobretudo no episódio de estreia, o diretor é uma personalidade difícil de lidar e convive com contradições em sua biografia, como, por exemplo, o fato de ter ficado notório em sua carreira como realizador de musicais, mas ter restrições com as marcas do próprio gênero, chegando a rejeitá-lo. Fosse não conseguia convencer os produtores do seu desejo de transmitir temas sérios ou construir personagens complexos através desse tipo de produção e se frustrava por acreditar que estava fazendo algo menos relevante.

A série tem essa grande contribuição para o gênero como reflexão sobre o seu lugar social no cenário das suas diversas plataformas e como cada uma delas, historicamente, desvalorizaram o musical como narrativa ficcional. O lugar subestimado do musical na indústria do entretenimento coloca em conflito não apenas a carreira de Fosse, como a de Gwen Verdon. A partir do terceiro episódio, a atriz se dedica com afinco a uma produção teatral não musical e tem dificuldades para ser levada à sério por seu diretor, gerando uma série de cobranças pessoais.



Até o momento, a série tem feito um retrato complexo de Gwen Verdon, que domina a história desde o segundo episódio com a interpretação brilhante de Michelle Williams, que está, sem dúvida, no melhor momento de sua carreira. Na medida que a história de Verdon vêm à tona, o espectador toma conhecimento da importância de sua presença no trabalho criativo de Fosse, apesar de tudo ter sido exclusivamente creditado a ele. Vemos como Verdon foi determinante na concepção das coreografias e também na edição e nas soluções de direção de filmes como Charity, Meu Amor e Cabaret. Verdon era mais uma co-autora dessas produções do que uma mera colaboradora, mas, infelizmente, nunca teve o devido crédito. Williams está formidável na série, dando camadas interessantes a essa mulher que surge na corda bamba entre a vida profissional e a demanda de ser mãe após ter passado por traumas na juventude. Williams também está excepcional quando revive ao lado de Rockwell números musicais e ensaios coreográficos de Bob e Gwen. 


Fosse/Verdon tem sido um deleite para quem ama o gênero musical no cinema, especialmente o trabalho de Bob Fosse. Números musicais são parte da narrativa tanto nas circunstâncias nas quais a série mostra os bastidores de produções como Cabaret, Charity, Meu Amor e os ensaios das produções da Broadway com assinatura do casal, tanto quando procura inseri-los na própria história dos Fosse, como a ótima abertura do segundo episódio que transforma os minutos que antecedem a edição de Cabaret numa apresentação musical de "Mein herr", uma das mais famosas canções da produção. A série tem uma dificuldade de lidar com sua linha temporal, ainda um pouco confusa para um show que já está em seu quarto episódio e que pretende ser uma biografia, mas demonstra firmeza pelo trabalho seguro dos seus dois protagonistas na construção de Bob Fosse e Gwen Verdon como personagens fascinantes pelas suas respectivas complexidades. 


Fosse/Verdon, 2019. Criadores: Thomas Kail e Steven Levenson. Elenco: Sam Rockwell, Michelle Williams, Norbert Leo Butz, Aya Cash, Kelli Barrett, Evan Handler, Rick Holmes, Paul Reiser, Susan Misner, Byron Jennings. Disponível no FX. 

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Chovendo Sapos: 'Fosse/Verdon': Os demônios do gênio, o reconhecimento da estrela
'Fosse/Verdon': Os demônios do gênio, o reconhecimento da estrela
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