Em 2018, a história de vida de Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte americana, foi dramatizada em Suprema, longa que tinha Felicity Jones e Armie Hammer no elenco e que chegou aos cinemas brasileiros em março desse ano. A personagem retorna agora às telonas com o documentário A Juíza, que não só aborda o primeiro caso da então advogada Ginsburg na luta contra o preconceito de gênero nos EUA, uma querela trabalhista, como também estende sua abordagem a períodos posteriores da vida dela, como sua trajetória na Suprema Corte, a morte do seu marido Martin e sua popularidade na internet durante os anos de 2010 na cultura do meme.
O documentário A Juíza consegue ser mais completo sobre a personagem que Suprema, passando longe de todo o didatismo e a enfase desnecessária que custou e muito a qualidade da biografia de Mimi Leder. O documentário indicado ao Oscar de melhor longa documentário e melhor canção foi dirigido Julie Cohen e Betsy West e apresenta uma estrutura narrativa protocolar que conta a história da sua biografada através de uma linha cronologicamente fiel aos fatos e depoimentos de envolvidos e da própria Ginsburg. A "tradição" não custa muito a produção, que consegue sustentar sua proposta e fazer justiça a sua personagem principal.
O grande ganho de A Juíza é conseguir dimensionar a importância de Ginsburg através da história daqueles que foram diretamente afetados por suas ações nos tribunais e as mudanças sociais que a jurista foi capaz de promover com o seu trabalho nos EUA, deixando uma marcante contribuição no combate a cultura machista. Um dos aspectos mais curiosos da trajetória da personagem era como Ginsburg conseguia defender a sua causa e trazer efetivas transformações através do seu poder de persuasão e conciliação, sem "espantar" seus adversários com uma postura diretamente combativa. Isso se mostrou muito mais efetivo nas ações de Ginsburg ao longo de sua biografia.
Trabalhando num contexto completamente desfavorável, afinal, na época em que começou a atuar no Direito ele era espaço para poucas mulheres, Ginsburg conseguiu solucionar problemas sociais culturalmente sustentados através do diálogo, revertendo eventuais atritos com seus opositores pela pedagogia das palavras que anos de estudos sobre a legislação americana lhe legaram. Mais interessante ainda é perceber como em tempos tão tensos e inevitavelmente polarizadores como os que vivemos exigiram da juíza uma postura mais firme, mas ainda assim mantida com muita lucidez e ponderação no uso das palavras. É preciso saber falar com o "inimigo" e Ginsburg sabia como nenhuma outra fazer isso.
A Juíza é um documentário biográfico consistente na construção da sua personagem principal, evidentemente admirada por suas cineastas, mas nunca de maneira acrítica. Cohen e West conseguem encontrar o "caminho das pedras" para dimensionar a importância histórica de Ruth Bader Ginsburg, fazer uma bela homenagem a ela ainda em vida e se incluírem como vozes ativas em seu próprio filme.
RBG, 2018. Dir.: Julie Cohen e BetsyWest. Documentário. Flow, 108 min.
Assista ao trailer:
COMENTÁRIOS