por Klaus Hastenreiter
“Decisão final e irrevogável”, este é um dos termos encontrados no dicionário para definir a palavra “Ultimato”. O último ato do arco iniciado em 2008 pelo universo cinematográfico Marvel faz juz ao subtítulo, entregando um filme comprometido à sair da zona de segurança e por em risco personagens construídos por mais de uma década. O longa também ressignifica o próprio nome do grupo, que desta vez tem o papel de reagir às ações do vilão Thanos, responsáveis por encerrarar de maneira trágica o longa predecessor, Guerra Infinita, como verdadeiros vingadores dos desintegrados com o estalar de dedos do titã louco.
Em seus primeiros vinte minutos, o longa
assume um ritmo intenso, construindo um prólogo surpreendentemente corajoso.
Não digo isso apenas pela violência gráfica e decisões anti-climáticas, uma
raridade em produtos direcionados prioritariamente para um público juvenil, mas
pela maneira crua como assume as fragilidades de seus personagens. Esse caráter
humano, falho, transborda das páginas do roteiro para a interpretação de seus
atores com uma beleza melancólica absolutamente estonteante, presenteando
atores como Robert Downey Jr e Scarlett Johansson com os melhores momentos de
suas carreiras ainda antes do fim do primeiro ato.
A urgência, tão escassa em alguns dos
exemplares anteriores da franquia, chega aqui com uma força dramática
invejável. O sentimento de frustração da perda, da falha e da decepção se
transmite através de olhares cansados de tanto chorar, que agora buscam um
mínimo conforto de forma resignada. São tempos sombrios para os heróis, e ver
aqueles que representavam a luz da esperança caírem em desilusão,
desacreditados da luta por um futuro melhor, é de uma tristeza incomensurável. O
reflexo niilista de uma sociedade à beira da ruptura, da desunião, onde o
individual sempre estará a frente dos interesses coletivos.
E assim, mais uma vez, o cinema fantástico
busca, através de suas alegorias, tecer comentários sobre o mundo real. O sentimento de luto é transmitido de forma
eficiente por momentos contemplativos, onde a montagem segue a contramão da
cartilha do filme de ação e se permite prolongar alguns de seus planos. Destaco
aqui um diálogo travado entre Capitão América e Viúva Negra sobre as
consequências das mortes do filme anterior, marcado por pausas
interessantíssimas que evocam contradições e permitem que a troca de olhares
comunique tão bem quanto as palavras saídas do roteiro.
Em seu segundo ato, Vingadores: Ultimato retorna para o conforto do humor, dando um respiro necessário em sua narrativa.
O filme assume um tom aventuresco, divertido, e a própria banda sonora abandona
a lógica fúnebre e melancólica para dar lugar à pequenos joguetes típicos dos
filmes de assalto, entregando uma versão bastante interessante do tema dos
Vingadores com instrumentos típicos da música latina, com chocalhos e sopros
que nos remetem ao trabalho realizado em Homem Formiga. Alan Silvestri,
compositor das músicas, imprime sua marca autoral estabelecida em 1985 em De
Volta para o Futuro, demonstrando conforto e liberdade ao transitar entre o
drama e a comédia por meio da aventura brincante.
Aliada à trilha, é interessante como a
direção dos irmãos Russo demonstra uma capacidade de lidar com a farsa
aventuresca. A câmera teima em não ficar estática, sendo ferramenta para
destacar e comentar situações em seus travellings rápidos, chegando até a
servir como respiro e deixa para gritos e aplausos. Consciente de seu papel
como filme evento, espetáculo que comemora onze anos e vinte e dois filmes de
história, o longa patina em gelo fino ao ficar no limite entre a apoteose épica
e a noção superficial dos especiais de natal de fim de ano televisivo, tendo a
conveniência excessiva de suas soluções o pior e verdadeiro vilão de seu
sucesso.
Ao mesmo tempo em que estimula a vibração
da platéia através de surpresas espetaculares, o excesso de fan service, dos momentos feitos com
intenção clara de agradar os fãs do produto, pode beirar ao incômodo quando se
afasta demasiadamente da necessidade narrativa. Momentos icônicos então são
criados (ou recriados) através do alinhamento arbitrário de situações
convenientes, típicas do escapismo oitentista, entregando à boa vontade do
público e sua tolerância a decisão de aceitar ou não seu estilo como ele é. Por
outro lado, é interessante acompanhar a realização de planos de dimensão épica,
pérolas preciosas para os fãs de quadrinhos que há anos esperam ver aquelas
páginas duplas, preenchidas de canto a canto por heróis em campo de batalha,
serem projetadas na tela do cinema.
Um filme que arranca lágrimas com a mesma facilidade
que leva à gargalhadas. Um projeto comercialmente invejável, que lida com a
temática do heroísmo através de uma pureza e ingenuidade comovente. Independente do futuro do universo Marvel, o
ponto de fechamento proposto aqui, a tal “decisão final e irrevogável” trazida
em Vingadores: Ultimato, faz com competência exatamente o que se propõe:
Encerrar com dignidade a maior saga que o cinema de blockbuster já realizou.
Avengers: Endgame, 2019. Dir.: Joe e Anthony Russo. Roteiro: Christopher Marcus e Stephen McFeely. Elenco: Robert Downey Jr. Chris Evans, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson, Mark Ruffalo, Jeremy Renner, Don Cheadle, Paul Rudd, Brie Larson, Karen Gillan, Danai Gurira,Tessa Thompson. Disney, 181 min.
Assista ao trailer:
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