De maneira não assumida, Cinquenta Tons de Cinza trouxe para as editoras e, posteriormente, para os cinemas, a cooptação de fanfics. After é produzido pela recém criada divisão cinematográfica da Wattpad, aplicativo especializado na disponibilização desse tipo de material para a leitura online. Eles já haviam feito sucesso com A Barraca do Beijo na Netflix, mas agora oficializam sua entrada nas telonas.
Criado por Anna Todd, After surgiu como uma fanfic inspirada no músico Harry Styles, um dos integrantes da boy band One Direction. No Wattpad, a história de Todd alcançou cerca de um bilhão de visualizações e logo ganhou uma versão impressa. O romance conta a história de uma jovem que acaba de chegar na Universidade e se apaixona por um bad boy filho do reitor cheio de problemas e mistérios.
Não tão afeito ao humor involuntário da franquia Cinquenta Tons de Cinza, After assume os passos burocráticos de um exemplar do gênero. A direção de Jenny Gage não é propriamente um problema já que ela segue uma cartilha do que mais ou menos se espera para esse tipo de material, o passo em falso do romance é a falta de traquejo para o desenvolvimento da história quando ele aparenta uma segurança nesse departamento.
Com referências autoproclamadas, After diz ter como espelho uma das obras-primas da escritora Jane Austen, o romance Orgulho e Preconceito, mas acaba tendo como espelho mesmo obras como Cinquenta Tons de Cinza e Crepúsculo, inclusive possuindo problemas semelhantes dessas histórias, como falta de traquejo no desenvolvimento de personagens e trama. Não há conflitos o suficiente nas trajetórias individuais das personagens e, sobretudo, na relação entre os protagonistas Tessa e Hardin. Hardin, inclusive, é quase uma versão adolescente do famigerado sr. Gray, inclusive na maneira como a trama justifica seu comportamento rude, cafajeste e machista com a submissa Tessa. Tudo é culpa dos traumas do passado do rapaz.
After cria uma trama misteriosa envolvendo um trauma do rapaz na relação com o seu pai e uma hiper-dependência dela na dinâmica com sua mãe, questões que, no final das contas, não são grande empecilhos para o relacionamento do casal, apesar de serem reforçados o tempo todo como uma ameaça. After ainda cai numa série de estereótipos para a construção de seus personagens, como definir que coadjuvantes com tatuagens, cabelos coloridos, experientes no sexo e que possuem relacionamentos homossexuais não são pessoas confiáveis, reforçando uma oposição saliente entre a virginal Tessa e o grupo de veteranos universitários.
A impressão que fica é a de que After é um exemplar cinematográfico deslocado no tempo - um filme dos anos de 1980, sei lá -, uma contradição ambulante, visto que não consegue sustentar a sua aparência de trama sem pudores ou tabus de qualquer espécie. A adaptação evidencia ser mais conservadora do que aparenta e esparrama imaturidade narrativa por todos os cantos.
After, 2019. Dir.: Jenny Gage. Roteiro: Susan McMartin. Elenco: Josephine Langford, Hero Fiennes Tiffin, Selma Blair, Jennifer Beals, Peter Gallagher, Dylan Arnold, Pia Mia, Inanna Sarkis, Shane Paul McGhie, Meadow Williams, Samuel Larsen. Diamond Filmes, 106 min.
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