por Klaus Hastenreiter
Existe hoje no cinema um debate sobre o tom correto para se empregar em um filme que adapta histórias em quadrinhos e as tramas de seus super-heróis. Alguns críticos e espectadores preferem um realismo sóbrio, denso, que foge do colorido escapistas das páginas quadrinescas, enquanto outros entendem que a galhofa, a fantasia, aquilo que não é palpável, faz parte essencial do processo. O fato é que não existe resposta correta e o mais apropriado seria respeitar a máxima de que “cada filme é um filme” e que ambas as estratégias podem funcionar no momento adequado.
Shazam! é um exemplo interessante de filme que acerta no tom, mesmo que sua narrativa sofra de uma pequena crise por “excesso de boa vontade”. O bom humor e o carisma de Billy Batson, o garoto adolescente merecedor dos poderes de Shazam, auxiliam o filme em sua escolha por um caminho leve e cartunesco, criando harmonia no conjunto narrativo proposto. Não são apresentadas grandes pretensões ou uma complexidade mitológica de difícil digestão, o filme inclusive se permite a utilizar da já irritante estratégia de inserir hologramas que ilustram as histórias demasiadamente expositivas contadas por algum personagem para se certificar que o mais desatento dos espectadores não se confunda.
Aliás, a falta de autoconfiança do filme decepciona bastante. Mesmo com uma poderosa relação entre seus personagens, desde o drama de Billy em busca de sua mãe (que conquista a proeza de não ser exageradamente piegas), até a gradual e cativante inserção do garoto em uma nova família, o roteiro insiste em abusar de referências e piadas inoportunas para não perder a atenção da platéia. Se manifesta então uma crise de identidade, onde o salpicar aleatório de comentários engraçadinhos mais parece uma necessidade desesperada de agradar o público do que elementos imprescindíveis de sua narrativa, o que se agrava ao somar às caras, bocas e dancinhas de Zachary Levi como a versão do corpo adulto de Billy ao se tornar o herói Shazam.
E é nessa interpretação de Levi que vemos a maior fragilidade do longa, já que deixamos o interessante desenvolvimento do Billy vivido por Asher Angel, carregado de complexidade na construção de um garoto forçado a ser maduro para sua idade, para dar lugar a um adulto que não parece estar conectado a essência de seu personagem. O filme parece então se tornar uma série de esquetes cômicas televisivas, paródias cada vez mais soltas, que demoram a aterrissar novamente no cerne de seu objetivo. Graças ao belíssimo elenco infanto-juvenil, o mais afiado e melhor preparado, que os defeitos do longa se atenuam, aliados sempre ao sentimento aventuresco de heroísmo improvável que permeia suas cenas e seus diálogos.
Coroado por um clímax dinâmico e instigante, Shazam! capta com excelência o espírito do modelo de filme de aventura dos anos 80, os chamados “filmes de sessão da tarde”, com uma montanha-russa de peripércias seguras e confortáveis. A trilha de Benjamin Wallfisch, remete através de cordas suaves e o cintilar de sininhos, a obra de John Williams, consciente de seus trunfos e limitações na materialização de sentimentos fraternais, angústias e vitórias. Como uma espécie de Quero ser Grande quadrinesco, no frigir dos ovos consegue atingir o seu objetivo principal de divertir o espectador, mesmo que nesse trajeto acabe por tropeçar diversas vezes em seu desespero juvenil.
Shazam!, 2019. Dir.: David F. Sandberg. Roteiro: Henry Gayden. Elenco: Zachary Levi, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Michelle Borth, Faithe Herman, Ian Chen, Djimin Hounsou, Mark Strong, Marta Milans, Grace Fulton, Jovan Armand. Warner, 132 min.
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