O ano era 1989 e a Warner tinha quase nenhuma referência na indústria para fazer um filme de super-heróis, a não ser o grande sucesso da própria casa, a franquia Superman, também da DC Comics, iniciada no fim da década de 1970 pelo diretor Richard Donner. Na época, não existia o projeto Vingadores e nem o Marvel Cinematic Universe, nem mesmo os personagens da editora de Stan Lee tinham sido cedidos a outros estúdios para adaptação, como X-Men de Bryan Singer e Homem-Aranha de Sam Raimi. O diretor Tim Burton, saído de As Grandes Aventuras de Pee-wee (1985) e Os Fantasmas se Divertem (1988), também estava começando a fazer seu nome e assumia um personagem que exigia uma abordagem completamente diversa do otimismo e encantamento do kryptoniano interpretado em quatro oportunidades por Christopher Reeve. Batman era um desafio.
A empreitada de Burton foi cumprida com bastante êxito. Tendo a coragem e a liberdade para fazer as alterações que queria no universo do Morcego - algo que certamente não teria no modelo de produção de filmes de super-heróis de hoje em dia patrulhado por fãs adolescentes nas redes sociais e amarrado pela serialidade dos projetos -, Batman é a leitura de Tim Burton para o personagem criado por Bob Kane nas HQs. Ingênuo e bem-humorado em sua narrativa e estilizado visualmente, um esmero na plasticidade que seria levado ao extremo na continuação Batman: O Retorno de 1992 (que acredito ser ainda mais interessante), Batman é um filme de estrutura simples narrando a atuação do herói vestido de morcego que contém as ações de um vilão em seu território, a cidade de Gotham City, e salva a mocinha Vicky Vale no final do dia.
O Coringa de Jack Nicholson tem um plano simples de execução e motivações não muito bem elaboradas para além de atrapalhar a vida do herói e destruir os cidadãos de Gotham: o palhaço do crime altera a composição química de produtos de higiene pessoal e beleza com uma substância chamada "sorrisex" que paralisa os músculos faciais das pessoas fazendo com que elas tenham a mesma aparência dele. O objetivo do personagem é aniquilar Batman, destruir Gotham City e sua válvula de funcionamento é a loucura. Assim, simples e direto.
A produção não perde muito tempo com a origem do herói. Bruce Wayne é apresentado em ação como Batman e ao longo do filme conhecemos sua motivação para agir na cidade vestido de morcego, ela tem ligação com um trauma do passado, a violenta morte dos pais por dois bandidos presenciada por ele ainda garoto. Adulto, o herói deseja desmantelar as células criminosas de sua cidade, uma delas habitada por Jack Napier, vigarista traído por seus parceiros e transformado em Coringa ao cair acidentalmente num poço com a substância "sorrisex".
Em seu primeiro filme sobre o herói da DC Comics, dá para perceber que Tim Burton não deseja muita "complicação" com sua história. O nicho de produção não exigia muito dos realizadores e a estrutura simples da história não tem o fantasma da comparação com obras mais complexas do gênero. Mais modesto que Superman: O Filme e Superman 2, Batman é praticamente um filme seminal de super-herói, guardando uma fórmula que nos quadrinhos já havia se complexificado e que posteriormente seria trabalhada de maneira mais exaustiva em exemplares como Homem-Aranha e, especificamente, Homem-Aranha 2.
O que torna o longa de Burton tão especial é o alto nível artístico investido na aventura, algo esperado de um cineasta que tem tanto apreço pelo gótico nos seus cenários, transformando Gotham City num espaço realmente interessante e tornando seus protagonistas figuras extremamente carismáticas. O vilão Coringa é carregado com uma deliciosa ironia pelo veterano Jack Nicholson e Bruce Wayne é interpretado com propriedade por Michael Keaton, que é tão talentoso que consegue driblar a completa falta de correspondência do seu tipo físico com aquele exigido pelo seu personagem (imagino que hoje esse tipo de escalação não sairia ilesa dos haters no Twitter). Keaton é baixinho, franzino e calvo, o completo oposto do tipo físico dos seus personagens nas HQs, mas é tão competente que nos convence como o personagem, um sujeito que surge sempre tenso e aéreo em cena por lidar com a pressão de sustentar duas personalidades.
No final das contas, Batman é uma divertida aventura que se mantém pelo carisma dos seus atores e pela fluência do cineasta na assinatura própria que dá ao universo do personagem da DC Comics. O sucesso financeiro do filme de 1989 fez Burton ir além em Batman: O Retorno tornando-o seu trabalho mais interessante com o personagem, mas Batman acaba sendo uma obra importante para quem gosta do gênero e demonstra a personalidade que poucos filmes de super-heróis possuem hoje em dia.
Batman, 1989. Dir.: Tim Burton. Roteiro: Sam Hamm e Warren Skaaren. Elenco: Michael Keaton, Jack Nicholson, Kim Basinger, Robert Wuhl, Pat Hingle, Billy Dee Williams, Michael Gough, Jack Palance, Jerry Hall, Tracey Walter, Lee Wallace. Warner, 126 min.
Assista ao trailer:
COMENTÁRIOS