Em 2015, o diretor e roteirista Adam McKay, conhecido por comédias como Quase Irmãos, levou o Oscar de melhor roteiro adaptado por A Grande Aposta, tirada sarcástica sobre um grupo de especuladores financeiros americanos. McKay utilizava uma série de expedientes que iam de artifícios do fake documentário à quebra da quarta parede para tecer suas considerações irônicas sobre a sociedade americana. Vice caminha os mesmos passos do longa antecessor do diretor ao contar a biografia do vice-presidente americano do desastroso governo de George W. Bush, Dick Cheney. Não é uma biografia convencional, o que é um ponto positivo do filme. No entanto, Vice é um pouco menos bem-sucedido que A Grande Aposta no uso de seus expedientes narrativos.
Com Christian Bale na pele do biografado, auxiliado por um irretocável trabalho de maquiagem que não reduz o seu esforço à transformação física, Vice não consegue harmonizar as interferências claramente irônicas do seu realizador a respeito de Cheney com o que é encenado por seus atores. Enquanto McKay leva sua narrativa para o humor ácido, o que vemos ser representado por seus atores caminha para uma sobriedade que não acompanha o ponto de vista do seu diretor. Ao mesmo tempo, determinadas inserções de McKay soam como a intervenção de um cineasta que duvida da capacidade de raciocínio do seu espectador, tentando explicar de maneira cool alguns aspectos burocráticos ou jurídicos dos meandros de sua trama.
"Sacadas" como a rodada de discussão de Cheney e seus comparsas numa mesa de restaurante utilizando um cardápio que aponta tomadas de decisão do governo Bush ou a substituição de um diálogo de Dick e Lynne por um texto de Shakespeare parecem trazer o seu diretor e roteirista num regozijo com a sua própria criatividade. Assim, Vice se transforma num exercício de massagem do próprio ego. Se isso surgia como singularidade em A Grande Aposta, harmonizando-se com a atmosfera do grupo de especuladores financeiros e seu universo de vivência, aqui, tudo soa afetado demais da parte do diretor, como se a todo momento McKay quisesse impressionar o espectador com seu modo "moderninho" de elaborar um comentário político numa biografia.
À exceção de Bale, atores como Amy Adams e Sam Rockwell, que interpretam a esposa Lynne Cheney e o presidente George W. Bush, estão corretos. Steve Carell aparece afetado como Donald Rumsfeld, grande mentor de Cheney. Quem brilha mesmo é Christian Bale, o intérprete do protagonista, que encontra umaa maneira sorrateira e aparentemente controlada de Dick Cheney resolver problemas. Assim, Bale resolve uma forma de desenvolver camadas interessantes da personalidade do político.
Ainda que teça considerações relevantes sobre o cenário político, como a sucessão cíclica entre conservadores e liberais no governo americano e a desastrosa maneira como os comparsas de Bush lidaram com o 11 de setembro, Vice surge na temporada como uma grande afetação do seu cineasta. McKay parece ter acreditado demais naquilo que lhe fora dito na ocasião de A Grande Aposta e decide seguir uma cartilha num filme que, por sua vez, aposta numa gravidade que rivaliza com a sua própria anarquia.
Vice, 2018. Dir.: Adam McKay. Roteiro: Adam McKay. Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Sam Rockwell, Steve Carell, Alison Pill, Jesse Plemons, Lily Rabe, Eddie Marsan, LisaGay Hamilton, Bill Camp, Shea Whigham, Tyler Perry, Don McManus. Imagem Filmes, 132 min.
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