Premiado com o kikito de melhor filme na recente edição do Festival de Gramado, Ferrugem é um filme que também chega ao circuito comercial cercado de expectativas por ter nos créditos do seu roteiro e direção o realizador Aly Muritiba, de Para Minha Amada Morta. O longa tem uma premissa repleta de temas propícios ao desenvolvimento de uma história complexa e urgente, dialogando com questões que preocupam a sociedade atual, como o uso de ferramentas da tecnologia, as alarmantes taxas de depressão da sociedade e a cultura machista, tópicos ainda mais preocupantes quando inseridos no estrato social que o cineasta pretende abordar, adolescentes da classe média. No entanto, nem tudo corre às mil maravilhas em Ferrugem e sua história apresenta alguns tropeços.
O filme tem início com uma viagem de férias que um grupo de adolescentes de um colégio de Curitiba faz para executar uma atividade escolar. Na excursão, dois desses alunos acabam estreitando o relacionamento e se envolvem amorosamente. Quando retornam da viagem, a garota descobre que um vídeo íntimo seu está circulando pela internet e o caso ganha sérias proporções dentro e fora do colégio, revelando uma série de ranhuras sociais que denunciam uma sociedade em severa decomposição (a "ferrugem" anunciada pelo título).
Ferrugem é um filme que tem méritos nos "imperceptíveis" detalhes que dialogam com a cartela de questões que preocupam Muritiba. Da facilidade de acesso a armas de fogo dentro de casa, passando pela conivência de adultos com a exposição da intimidade de adolescentes na internet e seus inconsequentes delitos à distorcida noção de proteção dos filhos pelos pais (que mais parece alienação da realidade), tudo é indício da toxicidade de uma sociedade que enreda jovens, tornando-os inaptos a lidarem com seus problemas ou aderirem automaticamente a uma cultura que expõe e culpabiliza o outro, sobretudo quando esse outro é alguém do sexo feminino.
É uma pena que alguns dos valiosos detalhes de Ferrugem se percam numa estrutura de roteiro que não sabe equilibrar as perspectivas para um único evento, tornando a segunda parte do longa, curiosamente, a menos interessante, dominadora de boa parte da projeção. Sem um terceiro capítulo que amarre a sua história e deixe de lado a impressão de que o longa existe para atenuar os erros do seu protagonista masculino, Ferrugem soa como um filme incompleto, que, apesar de trazer reverberações e olhares pertinentes para os seus temas, é incapaz de oferecer uma síntese satisfatória da sua crítica social.
Ferrugem, 2018. Dir.: Aly Muritiba. Roteiro: Aly Muritiba e Jessica Candal. Elenco: Tiffany Dopke, Giovanni di Lorenzi, Enrique Diaz, Pedro Inoue, Clarissa Kiste, Dudah Azevedo. Olhar Distribuição, 105 min.
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