É difícil encontrar um filme que capte tão bem o cotidiano de uma família comum sem soar artificial ou completamente apartado da realidade quanto Benzinho. Dirigido e co-roteirizado por Gustavo Pizzi, o longa tem 50% do seu êxito graças aos esforços de Karine Teles, que o protagoniza como a afetuosa matriarca Irene, mas também o roteiriza. Benzinho tem como proposta narrar a trajetória de uma família como outra qualquer a partir do anúncio da partida para a Alemanha do filho mais velho do seu casal nuclear, interpretado por Teles e Otávio Müller. Toda a história é contada pela perspectiva da personagem de Teles, mãe de quatro filhos. Assim, o que vemos em Benzinho é Irene lidando internamente com o desejo de que seu filho tenha uma vida melhor que a sua, mas também sofrendo pela separação repentina, vivenciando uma típica síndrome do "ninho vazio".
O mérito de Benzinho é conseguir criar personagens extremamente afetuosos com a naturalidade de quem não faz o menor esforço para isso, um êxito que é resultado da combinação entre a ótima direção de atores de Gustavo Pizzi, um elenco talentoso e generoso como força coletiva, além de um roteiro simples e bem amarrado. A dinâmica familiar presente no filme é passível de empatia instantânea no espectador. Desde o primeiro segundo, o público se enxerga no cotidiano daquela família encabeçada por pais de origem menos abastada que se esforçam entre sucessivos estabelecimentos comerciais ou trabalhos que complementam a renda doméstica para que seus filhos tenham um futuro melhor. Na casa de Irene (Teles), vemos outros elementos que fortalecem os laços de identificação entre público e obra, como a tia Sônia (Adriana Esteves) que tem problemas em casa com o marido e passa a viver temporariamente naquele lar. Quem nunca vivenciou em alguma fase da sua vida uma situação como esta?
Todas as situações de Benzinho são encenadas pelos seus atores com uma comicidade cheia da ternura das pessoas comuns e genuinamente boas. Todas as personagens e suas dinâmicas são cercadas por muito amor, sentimento que percebemos em situações triviais como uma brincadeira entre irmãos na banheira de casa ou o momento singular no qual Sonia manifesta orgulho por Irene ter conseguido um diploma. Enfim, tudo em Benzinho suscita memórias que envolvem a convivência com irmãos, primos, pais etc. e a força coletiva que, em alguns casos, a família representa, com cada um dos membros daquele núcleo ajudando o outro em situações micro e macro, do irmão mais velho que cuida do irmão mais novo enquanto a mãe está resolvendo problemas fora de casa às irmãs que unem forças para complementar a renda de casa. Assim Benzinho passa a sensação de coisas que não voltam mais e que são importantes para nossa formação humana quando vivenciadas num contexto de tamanha doçura como aquele que é retratado pelo filme.
No longa, Karine Teles contracena com seus dois filhos, os gêmeos Arthur e Francisco, frutos da sua relação com o diretor do filme, Gustavo Pizzi, mas também com seu sobrinho Luan, algo que contribuiu para a construção de um ambiente tão organicamente íntimo entre as personagens. No entanto, mesmo com integrantes do elenco que não fazem parte desse núcleo fora das telas, como Adriana Esteves, Otávio Müller e Konstantinos Sarris, o filho mais velho da protagonista que recebe uma proposta para jogar handebol na Alemanha, questão que dá o start e encerra o arco dramático da protagonista, Teles consegue semelhante façanha.
Como a protagonista de Benzinho, Karine Teles consegue compor uma mulher repleta de virtudes sem que isso a transforme num tipo ilusório da ficção. A atriz transforma Irene numa matriarca de "carne-e-osso" cheia de apego às pessoas e coisas que fazem parte da sua história, sua casa, suas fotos, sua irmã, seus filhos... Irene é daquelas pessoas que ama tanto o próximo que se pudesse encapsulava àquele sobre o qual deposita o seu sentimento num campo de força impermeável a qualquer tipo de sofrimento e isso percebemos na maneira como defende e acolhe na sua própria casa a irmã Sônia e, principalmente, quando notamos sua preocupação e zelo com a partida do filho Fernando. O trabalho de Teles em Benzinho é daquelas interpretações que fazem e dão o tom do próprio filme, engrandecendo em níveis impressionantes a potência da obra. Um filme sobre pessoas genuinamente boas que é um alento em tempos de descrença tão grande nas pessoas como o que estamos vivendo no Brasil atualmente.
Benzinho, 2018. Dir.: Gustavo Pizzi. Roteiro: Gustavo Pizzi e Karine Teles. Elenco: Karine Teles, Otávio Müller, Adriana Esteves, Konstantinos Sarris, Luan Teles, Arthur Teles Pizzi, Francisco Teles Pizzi, César Trancoso, Mateus Solano. Vitrine Filmes, 95 min.
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