Depois dos problemas que teve nos bastidores de Em Busca da Justiça, o western protagonizado por Natalie Portman, sendo substituída por Gavin O'Connor na última hora, a diretora e roteirista Lynne Ramsay (Precisamos Falar sobre o Kevin) finalmente retorna aos cinemas com o drama criminal Você Nunca Esteve Realmente Aqui, que rendeu ao ator Joaquin Phoenix o prêmio de melhor ator na edição de 2017 do Festival de Cannes. É uma pena que o relativamente longo hiato não tenha valido muito a pena. O mais recente trabalho da cineasta é repleto de ideias interessantes, mas todas são executadas por escolhas de gosto duvidoso.
O filme tem uma trama que, basicamente, gira em torno da completa indiferença que seu protagonista faz num contexto social absorto pela banalidade da violência. Você Nunca Esteve Realmente Aqui parece interessado num mergulho profunda na psicologia do seu protagonista, um assassino de aluguel, buscando compreender como os acontecimentos ao seu redor e as dinâmicas sociais nas quais está inserido lhe afetam emocionalmente, seus dilemas morais, ímpetos suicidas e a percepção que ele tem de si e no que se transformou sua vida, uma sucessão de descaminhos que o levaram ao submundo.
Ramsay tem uma ideia muito sólida sobre o seu protagonista e é favorecida pelo ótimo desempenho do sempre competente Joaquin Phoenix, cujo êxito na composição de um personagem com essa carga dramática não é surpresa, mas que ainda nos rende momentos inéditos e viscerais em sua carreira como a cena na qual o homem que interpreta constata numa cena do crime que alguém se antecipou a seus movimentos e nem mesmo naquilo que supostamente se especializara ele é capaz de fazer a diferença. Uma crônica do estado de barbárie da sociedade contemporânea.
Joe (Phoenix) é um homem em claro estágio de depressão. Veterano de guerra e com rumo incerto na vida, ele acaba se arranjando como pode para manter-se e ajudar a mãe após um traumático caso de exploração sexual de garotas no mundo dos magnatas americanos de Nova York que se envolveu da maneira mais desastrosa possível. Com esse personagem, Ramsay aborda os caminhos incertos de homens que, na casa dos 30, após terem sido tragados pela cultura militarizada norte-americana pós-11 de setembro, encontram-se em crise de identidade, fragilizados pela dificuldade de se enquadrar socialmente num país que parece indiferente a sua existência quando antes a campanha governamental os fazia parecer importantes num projeto de nação e política internacional.
O problema do filme de Ramsay é que ele é monocórdico, consumido pela própria melancolia de um personagem que é receptáculo emocional do mundo sombrio e pessimista a sua volta. Ramsay se interessa muito pouco pela exploração sexual das garotas resgatadas pelo personagem de Phoenix, fazendo com que uma delas até tenha mais êxito nos esforços de se desvencilhar daquela realidade do que o seu protagonista, algo que reforça o vazio desse sujeito, mas faz com que essa subtrama sirva apenas como pano de fundo.
O interesse de Ramsay em Você Nunca Esteve Realmente Aqui é exclusivamente nos dilemas desse homem pré-meia idade interpretado por Phoenix e nesse território a execução das ideias da realizadora não é das melhores. Além da apatia que assola os quase noventa minutos de filme, as escolhas de Ramsay para transformar em imagens a via crucis psicológica do protagonista é alternada por momentos que sugerem metáforas. Algumas funcionam muito bem (ele num café e uma decisão extremada), outras não (toda a sequência dele com a mãe num rio).Você Nunca Esteve Realmente Aqui parece um projeto naufragado pelas próprias ambições artísticas de uma realizadora que poderia ter feito escolhas menos herméticas ou se optasse por um hermetismo o fizesse com o mínimo de energia cênica.
You Were Never Really Here, 2018. Dir.: Lynne Ramsay. Roteiro: Lynne Ramsay. Elenco: Joaquin Phoenix, Judith Roberts, Ekaterina Samsonov, Alessandro Nivola, Frank Pando, John Doman, Alex Manette. Supo Mungam, 89 min.
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