A partir do livro HO-BA-LA-LÁ: À Procura de João Gilberto, do escritor alemão Marc Fischer, o documentarista Georges Gachot estabelece a premissa central do seu documentário Onde está você, João Gilberto? : encontrar o músico brasileiro João Gilberto no Rio de Janeiro. A empreitada é possível graças às pistas deixadas por Fischer em seu livro, entre elas, lugares possivelmente frequentados por Gilberto e pessoas próximas ao músico. As principais referências de Gachot para reproduzir os passos de Fischer são Miúcha, artista que foi casada com Gilberto, e Raquel, companheira do escritor na investigação, carinhosamente apelidada por ele de Watson no livro. Além delas, claro, as palavras de Fischer, um apaixonado por Bossa Nova.
O filme de Gachot então se apoia basicamente na mítica em torno do recluso artista brasileiro que praticamente não faz grandes aparições para o público desde os anos de 1990, mas há outra questão em curso. Ao final do seu livro, Fischer não encontra o músico e tampouco consegue concretizar o seu desejo de ouvir "HO-BA-LA-LÁ", famosa composição de João Gilberto, da boca do próprio artista. Assim, Onde está você, João Gilberto? acaba assumindo duas responsabilidades: uma com o público, de mostrar João Gilberto, e outra com Fischer, movendo esforços para fazer o músico cantar a canção que dá título ao livro.
O filme converte a responsabilidade numa postura reverencial que dá o tom da sua narrativa. O cineasta Georges Gachot parece um amante da Bossa Nova, fascinado por João Gilberto - e, aqui, o filme ganha muito com isso já que é marcado por uma atmosfera que nos remete ao legado artístico do músico. No entanto, na maior parte do tempo, Onde está você, João Gilberto? é dependente demais do livro de Fischer, fazendo com que Gachot em pouquíssimas circunstâncias extrapole aquilo que está nas páginas de HO-BA-LA-LÁ: À Procura de João Gilberto, algo que praticamente só acontece nos minutos finais do documentário. A reverência ao trabalho de Fischer acaba sendo compreensível pois é dali que Gachot encontra o ponto de partida do seu filme, mas o cineasta praticamente recusa alternativas de investigação que não estejam nas páginas da obra, só entregando algo de extremamente significativo e destoante no encerramento do filme. Portanto, fica difícil encontrar a singularidade do documentário quando existe uma obra literária cujos passos o filme parece mimetizar.
Onde está você, João Gilberto? evita desconstruir o mito em torno do músico objeto de procura por do escritor Marc Fischer e agora do documentarista Georges Gachot. Pelo contrário, o filme utiliza a mítica como tom e ganha muito ao conseguir trazer para o formato do documentário uma aura mágica em torno da figura de Gilberto e do Rio de Janeiro, seu habitat. É um olhar estrangeiro para o país e para sua arte, portanto, cercado de encantamento e fascínio pela descoberta de cada traço do universo de sua investigação. Isso é perceptível na jornada de Gachot, que, também, faz uma bela homenagem a Fischer e, consequentemente, a quem quer que tenha se tornado fã da Bossa Nova a partir das composições de Gilberto. Há uma certa dificuldade de desprendimento daquilo que se tem admiração e isso é prejudicial ao filme na proporção em que ele mira demais a obra literária. Tudo isso faz do filme uma elaboração menos confrontativa do seu tema e relativamente supérfluo frente ao livro na maior parte do tempo. Nos momentos finais, o cenário em questão muda relativamente e sobre isso não desejo me aprofundar muito para não correr o risco de estragar a experiência do espectador, mas é daqueles casos que faz a gente ficar mais curioso pela obra literária que lhe é referência do que pela obra cinematográfica em si, ainda que ela acabe lhe complementando de maneira pontual.
Where are you, João Gilberto?, 2018. Dir.: Georges Gachot. Documentário. Imovision, 106 min.
Trailer do filme:
COMENTÁRIOS