Ao longo de toda a sua carreira na música, Madonna procurou aliar sua discografia com um trabalho como performer e videomaker, à frente da concepção visual e narrativa de alguns dos seus principais videoclipes e turnês. Era natural que uma artista tão multifacetada e interessada nas diversas possibilidades de expressão enveredasse para o cinema, seja nas funções de atriz ou cineasta.
É verdade que parte dos projetos de Madonna no cinema foram verdadeiras catástrofes, lhe trazendo um grande número de vitórias no Framboesa de Ouro, premiação dos piores filmes da indústria cinematográfica norte-americana, e rendendo muito pouco nas bilheterias. No entanto, vale a pena olhar para esses filmes e perceber como por diversas vezes Madonna tentou entregar projetos interessantes e que, em alguns casos, dialogavam com as fases que a rainha do pop vivia em seus álbuns e videoclipes.
No mês de agosto, Madonna está completando 60 anos. Aproveitando as festividades em torno da artista, fizemos um retrospecto da sua passagem pelas telonas.
O "namoro" de Madonna com o cinema começou na década de 1980, quando a rainha do pop fez uma participação em Em Busca da Vitória e protagonizou a produção independente britânica Um Certo Sacrifício. No entanto, foi com Procura-se Susan Desesperadamente que Madonna fez seu primeiro grande sucesso nos cinemas em 1985.
O filme da diretora Susan Seidelman trazia a atriz Rosanna Arquette, indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz em comédia/musical, como uma dona de casa entediada que logo cria uma estranha conexão com uma garota chamada Susan interpretada por Madonna. Susan é constantemente procurada pelo namorado em anúncios de jornal que a personagem de Arquette acompanha com religiosidade.
A Madonna que vemos em Procura-se Susan Desesperadamente tem resquícios da artista do álbum Like a Virgin, trazendo para a personagem que integra o título do filme diversos elementos que foram iconográficos nesse momento específico da sua carreira, como as luvas, os colares de crucifixo, as jaquetas de couro e os lenços no cabelo. O filme teve uma passagem por Cannes, levou o BAFTA de melhor atriz coadjuvante para Arquette e teve uma indicação ao César de melhor filme estrangeiro.
Depois de Procura-se Susan Desesperadamente, o projeto seguinte de Madonna nos cinemas não teve uma carreira tão gloriosa. Lançado em 1986, Surpresa em Shangai trazia a estrela como uma americana em Shangai às voltas com uma carga de ópio deixada para trás por um contrabandista morto. A personagem de Madonna usaria o ópio para tratar soldados feridos durante a guerra em 1938. No elenco do filme estava o ator Sean Penn, que se tornaria namorado da protagonista do longa naquele mesmo ano.
O filme teve algumas das piores críticas de 1986 e recebeu 6 indicações ao Framboesa de Ouro. De todas as indicações, o filme levou um prêmio para casa: o de pior atriz para Madonna. Seria o início de um relacionamento duradouro da artista com a premiação.
Depois da péssima recepção a Surpresa em Shangai, Madonna viria aos cinemas com a comédia musical Quem é essa Garota?, dirigida por James Foley, o mesmo que fora responsável por alguns clipes marcantes na carreira da cantora como "Papa don't Preach" e "True Blue". Lançado em 1987, o longa contava a história de uma garota de rua acusada de matar o namorado. Madonna utilizaria o filme como parte da campanha promocional da sua turnê Who's that girl?, título original da produção em questão.
Como acontecera com Surpresa em Shangai, Madonna recebe críticas negativas ao trabalho e, especificamente, à sua atuação. Comercialmente, o filme também não foi o êxito que todos esperavam, apesar da turnê ter sido um grande sucesso de público e a cantora ter sido elogiada por críticos especializados em música. O longa foi indicado a 5 categorias do Framboesa de Ouro e Madonna recebeu, pelo segundo ano consecutivo, o prêmio de pior atriz do ano.
Doce Inocência era um filme formado por quatro contos de autoria do escritor Damon Runyon. Tratava-se da estreia e também do único filme de Howard Brookner, que morreu em 1989, mesmo ano em que o longa chegou aos cinemas. No elenco da produção estavam atores como Matt Dillon, Jennifer Grey, Rutger Hauer e Randy Quaid. No longa, Madonna vive uma história de amor com o personagem de Randy Quaid, um trapaceiro cujo corpo é vendido a cientistas. Como parecia tradição, Madonna leva mais uma indicação ao Framboesa de Ouro, desta vez como pior atriz coadjuvante, sem uma vitória. Apesar da nomeação, Doce Inocência esteve longe de ser o fiasco de Surpresa em Shangai ou Quem é essa garota? .
No mesmo ano em que chegaria ao mercado com um dos álbuns mais elogiados da sua carreira, Erotica, Madonna também vive momentos melhores no cinema. Em 1990, a artista chegaria às telonas com Dick Tracy, adaptação do personagem criado nos quadrinhos por Chester Gould e que fora estrelada e dirigida por Warren Beatty. No longa, Madonna interpretava Breathless Mahoney, femme fatale da história noir proposta pelo longa que se envolvia com o detetive interpretado por Beatty.
Orçado em US$ 47 milhões, o filme rendeu mais de US$ 190 milhões em todo o mundo e também teve uma recepção positiva dos críticos. Dick Tracy foi indicado a 7 Oscars e venceu as estatuetas de melhor maquiagem (que fez Al Pacino, indicado ao prêmio de melhor ator coadjuvante, irreconhecível na pele do vilão Alphonse 'Big Boy' Caprice), direção de arte e música original para "Sooner or Later", composta por Stephen Sondheim e interpretada por Madonna no filme.
Outro grande momento de Madonna nos cinemas foi o documentário Na Cama com Madonna, lançado em 1991. O filme mostrava o cotidiano da artista durante a turnê Blond Ambition. O documentário de Alek Keshishian tinha como intuito mostrar a Madonna dos palcos e aquela que estava por trás das cortinas, estabelecendo relações de afeto com membros da sua equipe, lidando com questões familiares etc.
O filme foi marcado por algumas polêmicas de bastidor, como o fato da artista ter detestado o título que o filme recebeu fora dos EUA. Conhecido no país de origem como Truth or Dare, ou seja, Verdade ou Consequência (uma alusão à brincadeira de Madonna com seus dançarinos e músicos em um dos momentos do documentário), em vários países o longa ficou conhecido como Na Cama com Madonna, o caso do Brasil. Na ocasião, a decisão da distribuidora Miramax gerou desconforto com a cantora que achou o título apelativo. Além disso, a artista foi processada por um grupo de dançarinos que alegou não ter autorizado o uso de suas respectivas imagens pelo documentário.
Apesar de todas essas confusões, o filme recebeu muitos elogios de críticos que viram no documentário um retrato complexo da artista Madonna. O filme também teve uma grande aceitação comercial, sendo a sétima melhor bilheteria da história do cinema para um longa no formato. Apesar de tudo isso, o Framboesa de Ouro, mais uma vez, indicaria Madonna como pior atriz de 1991 por seu desempenho no documentário.
No mesmo ano de Na Cama com Madonna, a artista faria uma aparição em Neblinas e Sombras, filme de Woody Allen de 1991. Totalmente em preto e branco, o filme de Allen era baseado em uma de suas peças e foi uma homenagem do cineasta ao expressionismo alemão de Fritz Lang e F.W. Murnau. Contando a história de um homem confundido com um serial killer, Allen fazia uma mistura de suspense e comédia que tinha artistas de circo como alguns de seus personagens. Madonna vivia a trapezista Marie que tinha um caso amoroso com o personagem de John Malkovich. O filme não representa um dos trabalhos mais conhecidos de Allen, mas traz uma interessante participação de Madonna.
Outra aparição curiosa de Madonna nos cinemas no início dos anos 1990 foi na comédia Uma Equipe Muito Especial, de Penny Marshall, com Tom Hanks e Geena Davis no elenco. O filme contava a história de uma liga americana de beisebol formada exclusivamente por mulheres. Madonna interpretou uma meio-campista da equipe treinada pelo personagem de Hanks. A comédia foi lançada nos cinemas em 1992 e teve uma repercussão positiva e rendeu até uma indicação ao Globo de Ouro de melhor canção para Madonna por "This used to be my playground".
O ano de 1993 foi um momento curioso da carreira de Madonna nos cinemas e o retorno da péssima repercussão de suas interpretações. Corpo em Evidência foi um thriller erótico protagonizado pela cantora e pelo ator Willem Dafoe. O filme era dirigido por Uli Edel e trazia a história de um milionário encontrado morto. A principal suspeita do assassinato do homem era a sua namorada interpretada por Madonna. Na defesa da personagem está um advogado vivido por Dafoe que logo começa a se relacionar com sua cliente e estranha sua agressividade sexual.
As cenas de sexo do filme chamaram a atenção, fazendo o longa receber duas versões, uma com cortes severos e outra sob o aval do diretor. A crítica viu o filme como um soft porn de mau gosto, ironizando ao extremo o projeto. Corpo em Evidência foi indicado ao Framboesa de Ouro em 6 categorias e recebeu o prêmio de pior atriz para o desempenho de Madonna, sendo o terceiro da carreira dela.
No mesmo ano de Corpo em Evidência, Madonna esteve em Olhos de Serpente, longa de Abel Ferrara sobre um cineasta que confundia a realidade com a ficção dos seus filmes. O protagonista interpretado por Harvey Keitel acaba se apaixonando pela atriz do seu longa vivida por Madonna. Olhos de Serpente sucedeu Vício Frenético, um dos maiores sucessos da carreira de Abel Ferrara, fazendo com que fosse aguardado com alta expectativa por muitos. Para o lado de Madonna, a repercussão foi positiva o suficiente para amortizar a repercussão negativa de Corpo em Evidência. Pelo seu trabalho no longa, Harvey Keitel recebeu o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza.
Dirigido por quatro cineastas, o projeto Grande Hotel foi um longa formado por quatro segmentos com histórias e personagens completamente distintos que vivem algumas situações na virada do ano em Los Angeles. Madonna esteve no segmento "The Missing Ingredient", dirigido por Allison Anders, como a bruxa Elspeth. Nele, a artista faz parte de um grupo de bruxas que tenta reverter um feitiço, mas constatam que falta um ingrediente para a poção.
Além de Anders, fizeram parte de Grande Hotel, Quentin Tarantino, Robert Rodriguez e Alexandre Rockwell. No elenco estavam Antonio Banderas, Marisa Tomei, Bruce Willis, entre outros. Claro que o Framboesa de Ouro não perderia a oportunidade de premiar Madonna como a pior atriz coadjuvante de 1995, marcando sua quarta vitória na história da premiação.
Em 1996, a situação prometia mudar um pouco para Madonna no quesito atuação. A artista conseguiu o cobiçado papel da primeira dama argentina Evita Perón no musical Evita, de Alan Parker, cineasta conhecido por trabalhos premiados no gênero como Fama e Pink Floyd: The Wall.
Madonna estava bem assistida no projeto. Além de Parker, Oliver Stone estava envolvido no roteiro do filme e as músicas do projeto eram de Andrew Lloyd Webber, de Cats e O Fantasma da Ópera, duas das produções mais longevas na história da Broadway. Além de Madonna, o elenco contou com Antonio Banderas e Jonathan Pryce, intérprete de Juan Perón.
Quando estreou nos cinemas, Evita chamou a atenção de muitas premiações. O filme ganhou o Oscar de melhor canção para "You Must Love Me", composta por Webber e Tim Rice e cantada por Madonna no filme, além de ter ganhado outras quatro indicações. No Globo de Ouro, o filme venceu como melhor filme musical ou comédia, melhor canção para "You Must Love Me" e melhor atriz em musical ou comédia para Madonna. Nada de Framboesa de Ouro dessa vez, mas também a cobiçada indicação ao Oscar de melhor atriz não veio para Madonna.
Depois de Evita, Madonna se dedicou mais ao seu trabalho na música, lançando dois álbuns importantes para a renovação da sua carreira na virada do século, Ray of Light e Music. O retorno da artista para o cinema aconteceu num projeto menos ambicioso que o musical de Alan Parker. Madonna estrelou em 2000 a comédia romântica Sobrou pra Você. A artista aceitou o projeto por contar com o amigo Rupert Everett como seu principal parceiro de cena.
No filme, Everett interpreta o melhor amigo da personagem de Madonna. Depois de uma noite de bebedeira, eles dormem e com o tempo acabam descobrindo que, como fruto dessa aventura, estão esperando um filho juntos. A repercussão do filme não foi muito boa e rendeu a Madonna o seu quinto Framboesa de Ouro como pior atriz.
O próximo trabalho de Madonna nas telas não apagaria a má impressão de Sobrou pra Você. A artista aceitou protagonizar Destino Insólito, remake de um filme italiano de 1974 adaptado por Guy Ritchie, na época, casado com a cantora. Destino Insólito chegou aos cinemas em 2002 e trazia Madonna como uma dondoca americana que se apaixona por um rapaz italiano quando os dois acabam presos numa ilha deserta. No Framboesa de Ouro, desta vez, não só Madonna levou o prêmio de pior atriz como o filme também saiu da premiação com outras quatro vitórias, entre elas, pior filme de 2002.
No mesmo ano de Destino Insólito, Madonna compôs e interpretou "Die another day" música tema de 007: Um Novo Dia para Morrer, filme que seria o último da carreira de Pierce Brosnan como James Bond e que também ficaria conhecido como um dos menos queridos pelos fãs do personagem. Madonna fez uma breve participação no filme como uma praticante de esgrima. A presença da artista no longa foi breve, mas o suficiente para o Framboesa de Ouro premiá-la como a pior atriz coadjuvante de 2002, mesma edição que já havia rendido a ela o prêmio de pior atriz por Destino Insólito. Nesse mesmo ano, a atriz recebeu um prêmio especial do Framboesa, pior atriz da década.
Depois de 2002, só veríamos Madonna se arriscar como atriz dublando personagens em animações como Arthur e os Minimoys e fazendo participações em séries de TV como Will & Grace.
Vinda de uma geração de artistas do videoclipe, Madonna arrancou elogios no Festival de Berlim em 2008 quando exibiu por lá o primeiro longa-metragem com sua direção, o pouco conhecido Sujos e Sábios. O longa trazia a história de um imigrante ucraniano interpretado por Eugene Hutz que sonhava em se transformar numa estrela do rock.
Anos mais tarde, Madonna viria com o segundo longa-metragem com sua assinatura, o drama W.E.: O Romance do Século, filme que trazia como centro da sua narrativa o romance entre o príncipe Edward VII e a americana Wallis Simpson. O longa teve críticas divisivas, os maiores elogios foram direcionados à interpretação da atriz Andrea Riseborough como Wallis Simpson. Muitos se incomodaram com o fato de Madonna dispersar sua história central com uma trama paralela que envolvia um casal contemporâneo interpretado por Oscar Isaac e Abbie Cornish.
Madonna roteirizou W.E. com Alek Keshishian,o mesmo do documentário Na Cama com Madonna. O longa rendeu a ela seu segundo Globo de Ouro, desta vez como melhor canção ("Masterpiece").
De W.E. para cá, Madonna nunca mais se dedicou a um projeto no cinema. Com um próximo álbum prestes a ser lançado em 2018, a prioridade da artista tem sido a música, mas dada a persistência e o empenho que deposita em muitas de suas empreitadas nas telonas, não seria estranho ver seu nome vinculado a algum projeto cinematográfico no futuro bem próximo.
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