Ilha dos Cachorros não nega as origens. A animação em stop-motion é uma típica cria do cineasta Wes Anderson (Hotel Budapeste). Visual e narrativamente, o filme detém todas as marcas típicas do diretor. Da sua obsessão por simetrias à peculiar maneira como costuma desenrolar os acontecimentos da sua trama, com cortes abruptos na ação e a rispidez ou objetividade com que seus personagens costumam lidar com suas emoções, sem que com isso deixe de senti-las, Ilha dos Cachorros dá continuidade ao projeto cinematográfico do realizador. No entanto, além dos usuais méritos de filiação, Ilha dos Cachorros tem em si uma importante mensagem sobre governos autoritários e um reverencial olhar para a cultura oriental, um dos aspectos mais comoventes da animação.
Em Ilha dos Cachorros, Wes Anderson nos traz a história a história de um jovem de 12 anos sob a guarda do prefeito da cidade de Megasaki, um político corrupto responsável pelo plano de extermínio da população canina quando dissemina a ideia de que os animais são portadores de uma grave doença capaz de colocar em risco a humanidade. Os animais são isolados numa ilha utilizada para jogar todo o lixo da população humana, incluindo o fiel cão de guarda do protagonista. É então que o garoto parte numa jornada de resgate do seu cachorro e dos demais animais presos no local dando início a uma verdadeira revolução em Megasaki.
Ilha dos Cachorros é um daqueles projetos que Anderson só conseguiria tirar do papel utilizando a animação como formato. A animação lhe dá recursos para pôr em prática algumas das ideias mais ambiciosas do seu roteiro e o realizador consegue conduzir um longa plasticamente inspirado, com planos dotados de beleza e sofisticação difíceis de reproduzir com live actions e até mesmo em exemplares do seu nicho, nem a própria Pixar, reverenciada como a casa das ideias quando o assunto é animação em Hollywood, consegue ser tão inspirada. O stop-motion sela com excelência o projeto estético de Anderson em Ilha dos Cachorros, já experimentado em O Fantástico Sr. Raposo, dando ainda mais personalidade a aspectos como formas, cores e texturas de personagens e cenários. Tudo isso ganha significado especial quando encontra diálogo com elementos da cultura japonesa como o teatro kabuki e os haikais, os poemas locais, narrando histórias de ancestrais que possuem ecos na narrativa contemporânea do filme.
Para além dessas escolhas, Ilha dos Cachorros demonstra apreço com a cultura japonesa quando incorpora na sua narrativa temas recorrentes dos mais antigos contos do país, entre eles a relação que seu povo tem com a honra e com seus antepassados. Tecendo um urgente comentário sobre o caráter nocivo dos discursos facistas que encontram guarida em sociedades que se sentem encurraladas pelo medo e pela disseminação de ideias distorcidas sobre o futuro a partir do silenciamento de esferas como a acadêmica/científica, o filme ainda encontra uma importante função social comprovando de vez que, quando utilizadas por mãos e mentes sensíveis, as animação é um formato que dá asas às ambições estéticas e políticas dos seus artistas. Wes Anderson conseguiu isso mais uma vez com esta notável obra na sua já consistente carreira.
Isle of Dogs, 2018. Dir.: Wes Anderson. Roteiro: Wes Anderson. Vozes de: Bryan Cranston, Koyu Rankin, Edward Norton, Scarlett Johansson, Greta Gerwig, Frances McDormand, Tilda Swinton, Bob Balaban, Bill Murray, Jeff Goldblum, Kunichi Nomura, Akira Takayama, Akira Ito, Harvey Keitel. Fox, 101 min.
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