Conquistando críticos
desde que foi exibido no Festival de Sundance no início desse ano, Hereditário tem sido um filme com alta
aprovação desse grupo de espectadore. Do lado, está o público corrente
das salas de cinema, que, em parte, tem rejeitado a proposta do
cineasta Ari Aster, que faz um cinema de horror, em termos comparativos
recentes, mais próximo de A Bruxa de Robert Eggers. É o clássico caso da plateia que chega desavisada na sala, esperando títulos como Invocação do Mal e It: A Coisa e recebem algo ligeiramente hermético.
Isso é compreensivo tendo
em vista que o filme de Aster trabalha com uma chave de comunicação que costuma
cindir a percepção desses nichos espectatoriais sobre as obras. Assim como A Bruxa, Hereditário trabalha de maneira mais empenhada na construção de
atmosfera, investe no poder singular das imagens e em suas simbologias. Faz
mais isso do que trabalha precisamente com uma narrativa linear dos acontecimentos
(e antes que leia queixas, ambos cinemas têm igual valor e podem eventualmente se comunicar, como acredito que ocorra em alguns momentos no título em questão). Para se ter uma
ideia, nas salas de cinema dos EUA, a rejeição a Hereditário tem sido semelhante a de mãe! de Darren Aronofsky, segundo levantamento do site CinemaScore.
Em linhas gerais, o filme conta a história da família Graham encabeçada pela artista plástica Annie, seu marido Steve e os
dois filhos do casal, Peter e Charlie. Os Graham estão passando pelo luto após
enterrar a mãe de Annie, principalmente a menina Charlie que era extremamente apegada a avó. Na sua empreitada para trazer um pouco de paz ao seu lar, Annie faz
terapia e procura guias espirituais que a ajudem a passar pelo momento difícil. Tudo, no entanto, a remete a um passado traumático que levou a relação com
sua mãe ao colapso. A partir de então, os Graham lidam com
uma sucessão de acontecimentos sinistros e o passado de Annie tem vinculação
direta com tudo isso.
É notável a maneira como
Aster consegue transformar Hereditário num
filme capaz de causar calafrios mesmo depois da sessão ter terminado com tão
poucos elementos. Praticamente usando seus jogos de câmera, explorando as
potencialidades da manipulação da luz na composição dos seus quadros e
auxiliado por um inteligente uso do som, em especial a perturbadora e
pontualmente ininterrupta trilha sonora, o poder do filme está muito mais na
maneira como ele conta sua história do que na história em si. Nas mãos de um
diretor mais relaxado, disposto apenas a obedecer os direcionamentos de um
roteiro, certamente Hereditário seria
um filme com alguns furos na sua lógica interna (se é que podemos encontra-la quando
falamos de histórias dessa natureza).
Aster tem, por exemplo, o
interessante insight de explorar a
geografia da casa e dos ambientes externos dela e em paralelo capta detalhes das maquetes
criadas por Annie,o que faz o espectador
confundir o real com aquilo que seria obra da artista plástica, fazendo até
mesmo com que passemos a cogitar que parte dos eventos ocorram por força da
imaginação ou desejo da personagem. Assim, a condução de Aster, seja nas
escolhas realizadas para a composição de cada cena, seja na orientação do seu
ótimo elenco, faz toda a diferença no resultado do longa.
O filme também ganha pelo
seu ótimo grupo de atores. Toni Collette dá densidade ao sofrimento em carne
viva da matriarca dos Graham, enquanto o jovem Alex Wolff consegue dimensionar
o trauma do garoto Peter e em alguns momentos ser o olhar do espectador para os
eventos assustadores que tomam conta da casa da família. Há ainda Garbiel Byrne
como o ponto “lúcido” do clã e a sempre competente Ann Dowd, cuja personagem em
dado momento dá suporte emocional a Annie e, posteriormente, ganha uma
importância singular na trama.
Atmosférico por excelência, mas também satisfatório como conto de horror, Hereditário tem um desfecho potente que abandona momentaneamente a literalidade da sua história e abraça um viés espiritual. Mais do
que abandonar a narrativa em detrimento do poder de uma imagem esteticamente
bem tratada e simbólica, Hereditário é um filme
que não se deslumbra pelo talento do seu jovem cineasta, como acontece em alguns casos de estreia em longas metragens. É um filme que
utiliza todo esse aparato audiovisual como ferramenta de construção narrativa
na tradição de um cinema empenhado em afirmar o lugar de uma linguagem
cinematográfica.
Hereditary, 2018. Dir.: Ari Aster. Roteiro: Ari Aster. Elenco: Toni Collette, Gabriel Byrne, Alex Wolff, Milly Shapiro, Ann Dowd, Christy Summerhays, Morgan Lund, Jake Brown, Mallory Bechtel, Brock McKinney. Diamond Filmes, 127 min.
Assista ao trailer:
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