O clã familiar apresentado por Michael Haneke (Amor e A Fita Branca) em Happy End é peculiar ainda que nos soe reconhecível em certa medida dadas as relações de afeto estabelecidas no mundo contemporâneo. Os Laurent são formados por pais, filhos, irmãos e cônjuges, ou seja, vínculos sanguíneos que pressupõem socialmente afetividade. No entanto, ao longo do filme, as dinâmicas estabelecidas no seio do abastado núcleo familiar são preenchidas pela dificuldade de comunicação dos afetos, quando existem, fomentando neuroses e mágoas que impulsionam o cineasta a fazer sua habitual crítica social, com enfoque numa classe social marcada por preconceitos de toda sorte numa Europa repleta de rachaduras.
Vale frisar que, como autêntico exemplar da filmografia de Haneke, Happy End é marcado pela morbidez e pessimismo nas suas conclusões sobre o cenário que apresenta, aqui talvez ele expresse tudo por um humor que requer disposição para encarar. O retrato da família Laurent pincelado pelo cineasta é cheio de ironia na medida em que o filme se aprofunda na história dos seus protagonistas e, muitas vezes, o olhar superficial para seus personagens é o que acaba funcionando para sua proposta nesse caso.
A apatia e a impressionante "ausência" de acontecimentos dos dois primeiros atos do longa é substituída por uma atmosfera carregada ao final, sobretudo quando os vínculos entre o patriarca Georges, vivido por Jean-Louis Trintignant, e a neta Eve, a ótima Fantine Harduin (a melhor do elenco), se estreitam pela dor que compartilham. O desfecho assume um tom tão sinistro que inescapavelmente nos recupera a consciência de estarmos diante de um filme do Haneke.
Em certa medida, a sensação reinante não é que os personagens abastados de Happy End não possuem afeto ou empatia uns pelos outros. Compreendemos, por exemplo, que os irmãos Anne de Isabelle Huppert e Thomas de Mathieu Kassovitz nutrem algo por seus filhos, mas parecem não saber lidar com os ritos de externalização desses sentimentos. Estamos diante de personagens com os quais temos dificuldade de estabelecer algum laço afetivo, fazendo com que o longa seja uma experiência permeado pela indiferença na relação espectatorial, quase que emulando um traço dos seus protagonistas.
O único elemento do clã que passa incólume por esta sensação é a garota Eve, que , num momento de fragilidade pessoal, sofre bastante naquele círculo social já que surge, como elemento externo (até então nunca teve contato com eles), o tempo inteiro na trama clamando por alguma demonstração de carinho dos seus familiares, ainda que isso seja comunicado por olhares e gestos, mas nunca verbalizado. Quando a mesma encontra empatia no relato do avó, gerações separadas por muitas décadas, é triste perceber que, diante de um contexto de ausência de afetos em que vivem cheguem a uma única e melancólica conclusão, tecida por Haneke com uma ligeira ironia.
O único elemento do clã que passa incólume por esta sensação é a garota Eve, que , num momento de fragilidade pessoal, sofre bastante naquele círculo social já que surge, como elemento externo (até então nunca teve contato com eles), o tempo inteiro na trama clamando por alguma demonstração de carinho dos seus familiares, ainda que isso seja comunicado por olhares e gestos, mas nunca verbalizado. Quando a mesma encontra empatia no relato do avó, gerações separadas por muitas décadas, é triste perceber que, diante de um contexto de ausência de afetos em que vivem cheguem a uma única e melancólica conclusão, tecida por Haneke com uma ligeira ironia.
Happy End é, no fundo, um ácido e cruel, mas clínico olhar de Haneke para a realidade, sobre gerações e gerações que dão a vida na construção de impérios e se esquecem de que o afeto na convivência com o outro não se sustenta apenas por laços sanguíneos e por um respeito à construção de patrimônios (uma dívida de gratidão ao provedor familiar). Muitas vezes, o filme não consegue sair de uma zona simplificadora que busca a justificativa da paralisia emocional dos seus personagens nas suas condições financeiras e classe social, o típico white people problems.
A perspectiva do cineasta é pertinente. Falta, no entanto, uma costura mais detalhada para fazer com que o longa não seja consumido pela própria apatia dos seus protagonistas nos ofertando um discurso até mesmo superficial, marcado por uma ótima tese, mas também pela ausência de maior desenvolvimento e argumentação dela, algo que não reduza o longa ao pessimismo do seu diretor com a própria vida. Happy End atesta que muitas vezes a manutenção das marcas temáticas e estilísticas de um cineasta não é sinônimo da qualidade da obra. É preciso mais do que coerência com seu projeto cinematográfico para o êxito criativo.
Disponível em plataformas de streaming como Net Now.
A perspectiva do cineasta é pertinente. Falta, no entanto, uma costura mais detalhada para fazer com que o longa não seja consumido pela própria apatia dos seus protagonistas nos ofertando um discurso até mesmo superficial, marcado por uma ótima tese, mas também pela ausência de maior desenvolvimento e argumentação dela, algo que não reduza o longa ao pessimismo do seu diretor com a própria vida. Happy End atesta que muitas vezes a manutenção das marcas temáticas e estilísticas de um cineasta não é sinônimo da qualidade da obra. É preciso mais do que coerência com seu projeto cinematográfico para o êxito criativo.
Disponível em plataformas de streaming como Net Now.
Happy End, 2018. Dir.: Michael Haneke. Roteiro: Michael Haneke. Elenco: Jean-Louis Trintignant, Isabelle Huppert, Mathieu Kassovitz, Fantini Harduin, Franz Rogowski, Toby Jones, Laura Verlinden, Aurélia Petit, Hassam Gancy. 107 min.
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