Salma Hayek e a América da era Trump em 'Jantar com Beatriz'


Chegando no Brasil diretamente em serviços de streaming como a Net Now, o indie Jantar com Beatriz tem um evidente objetivo desde o momento em que a massoterapeuta mexicana interpretada por Salma Hayek que dá título ao longa é convidada para um jantar na casa da sua cliente de longa data Kathy quando seu carro tem um problema mecânico, o longa utiliza esse cenário para abordar as tensões sociais nos EUA xenófobo da era Trump. Levemente alegórico, a ideia de Miguel Arteta e do roteirista Mike White (ambos do altamente recomendável Por um sentido na vida) é, através do confronto de Beatriz com os ricaços do jantar da sua cliente, expor a hipocrisia, o preconceito e a completa alienação de um grupo social que parece cada vez menos inibido de expor toda sorte de ranhura de caráter nas suas relações interpessoais. 

Educada e sensível, Beatriz é tratada por Kathy e pelo marido Grant como uma amiga de longa data da família, tudo porque o casal diz ter uma dívida com ela após o tratamento para câncer da filha. Aos poucos, a cordialidade de Beatriz cede espaço à indignação quando ela se depara com manifestações sutis de preconceito dos amigos do casal, mas sobretudo quando conhece Doug, um grande empreiteiro adulado pelos convidados, que traz consigo elementos típicos de uma elite americana: seu desprezo por latinos, pelas causas ambientais, a defesa do belicismo, a veneração pelo dinheiro acima de qualquer outra coisa e por ai vai. No decorrer do longa, a situação entre Beatriz e Doug fica insustentável e o lugar da inesperada convidada na família de Kathy e Grant passa a ficar evidente. 


As relações exibidas em Jantar com Beatriz nos remetem àquilo que vimos no brasileiro Que Horas Ela Volta?, quando as relações amistosas e supostamente de afeto e gratidão entre patrões e empregados (o típico "fulano de tal é como se fosse da família") revelam o abismo social escondido na hipocrisia daquilo que é dito socialmente. Quando a concepção de mundo de Beatriz entra em colisão com os interesses de Kathy e seus amigos, o direito de fala da personagem passa a ser tolhido e o seu lugar naquele círculo social é mostrado, exibindo, por exemplo, como para os americanos é conveniente acolher latinos como mão de obra nos EUA, mas também até que ponto a tolerância com os estrangeiros é sustentada, sobretudo quando interesses econômicos estão em jogo. 

Por ser muito sucinto - o filme tem cerca de uma hora e vinte de duração -, alguns elementos acabam não sendo explorados a contento ou de maneira resumida, como o passado da protagonista, algo que é apenas pincelado na narrativa para justificar seu comportamento no jantar. Nesse departamento, a sorte é que o longa conta com Salma Hayek no papel principal, uma de suas melhores atuações desde o seu desempenho indicado ao Oscar em Frida. Depois de anos enfrentando dificuldades para conseguir bons papeis, Hayek compõe uma personagem de gestos e reações econômicas, todos muito expressivos e sustentados com muita sensibilidade e precisão pela atriz. O desempenho de Hayek é beneficiado por um ótimo elenco coadjuvante, sobretudo John Lithgow, soberbo como a personificação do que existe de pior no homem médio americano, algo próximo do presidente atual do país.


Beatriz at Dinner, 2017. Dir.: Miguel Arteta. Roteiro: Mike White. Elenco: Salma Hayek, John Lithgow, Connie Britton, Chlöe Sevigny, Jay Duplass, Amy Landecker, David Warshofsky, John Early, Enrique Castillo, Soledad St. Hilaire. Disponível no Net Now. 82 min. 

Assista ao trailer:



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Chovendo Sapos: Salma Hayek e a América da era Trump em 'Jantar com Beatriz'
Salma Hayek e a América da era Trump em 'Jantar com Beatriz'
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