Apesar dos poucos recursos, a pequena Moonee de Projeto Flórida tem uma vida aparentemente feliz ao lado da mãe vivendo de aluguel num hotel barato da Flórida nas proximidades do Walt Disney World. Moonee não tem como bancar um dia nos parques da Disney, mas, como toda criança, alheia aos problemas dos adultos, aproveita muito sua infância ao lado dos amigos como pode: pregando peças nos vizinhos, juntando algumas moedas para compartilhar uma casquinha de sorvete com eles, enfim, transformando as suas limitadas possibilidades de lazer num rico universo de possibilidades que sua imaginação infantil sabe muito bem explorar.
O mais recente longa de Sean Baker (de Tangerine) é um filme calcado no contraste. Como um lugar conhecido por fomentar os sonhos da nossa infância pode ter um outro lado extremamente cruel e ainda assim encontrar alguma brecha de exercício da ludicidade infantil? Projeto Flórida mostra como isso é possível, sem camuflar suas preocupações com uma infância não assistida da maneira como deveria, tornando o seu longa um exercício interessante que oscila entre as perspectivas das crianças e dos adultos, com suas respectivas cargas de inocência e aspereza.
Inclinado para um realismo, tal qual o seu longa anterior, Baker interessa-se mais por acompanhar um cotidiano e entender como ações banais típicas dele podem revelar muito sobre a realidade que pretende retratar. A prostituição dos transsexuais de Tangerine nas ruas de Los Angeles é substituída em Projeto Flórida por uma realidade de crianças cujo futuro segue em reticências pela irresponsabilidade e falta de perspectiva dos adultos num lugar que deveria fomentar o sonho, a magia e toda sorte de elementos positivos na formação de qualquer um. Baker mantém esta preocupação com um pouco mais de ambição pela narratividade em Projeto Flórida.
É interessante como o realizador costura aqui a perspectiva para os eventos dos seus três principais personagens. Enquanto o público segue alheio ao que acontece com os adultos, sobretudo Halley, mãe da garotinha, achamos graça nas peripécias de Moonee e seus amigos. Assim que tomamos conhecimento de algumas das primeiras informações sobre a realidade alheia à garota (como um pedófilo que ronda o parquinho onde ela e seus amigos estão brincando, por exemplo), um lado mais sujo daquela história e ameaçador ao bem estar daquela menina começa a ser revelado. Nos damos conta da preocupação do gerente de boas intenções do hotel interpretado por Willem Dafoe que timidamente teme o futuro da menina e como sua mãe que "mete os pés pelas mãos" apesar de amar a filha.
O desfecho para tudo isso é dilacerante e confirma o talento e a naturalidade com que a garotinha Brooklynn Prince praticamente carrega o longa nas costas. Projeto Flórida é um primor de realização que afaga, mas também sabe ser implacável quando precisa, principalmente quando expõe os contrastes entre a realidade que é impiedosa com seus personagens e a fantasia que até certo ponto protege sua protagonista numa redoma muito fácil de ser quebrada.
The Florida Project, 2017. Dir.: Sean Baker. Roteiro: Sean Baker. Elenco: Brooklynn Prince, Willem Dafoe, Bria Vinaite, Christopher Rivera, Aiden Malik, Mela Murder, Patti Willey, Jasineia Ramos, Rosa Medina Perez, Krystal Nicole Watts. Diamond Filmes, 111 min.
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