Uma única cena sintetiza toda a relação de uma história do cinema e da sociedade americana com a nudez e a violência. O momento emblemático em questão é a clássica sequência do chuveiro de Psicose de Alfred Hitchcock na qual a protagonista do suspense vivida pela atriz Janet Leigh é assassinada no chuveiro do quarto do Bates Motel, um hotel de beira de estrada dos EUA. A cena é tema do filme 78/52 (referência à quantidade de planos - 78 - e cortes - 52 - de toda a sequência) que já está disponível para o público brasileiro no catálogo da Netflix.
O documentário esmiúça em detalhes, quase que plano a plano, a execução desse momento por Hitchcock em suas escolhas (montagem, trilha sonora, direção de arte, fotografia etc.) para compreender o impacto cultural da mesma e do seu filme numa indústria cinematográfica que estava se reinventando na década de 1960. O filme também procura compreender o que o olhar do seu diretor para aquele momento específico de Psicose revelava a respeito do público de cinema da sua época e da relação da sociedade com os signos que a mesma convocava para traduzir a violência e nossa relação de voyeur nessas circunstâncias.
Para costurar suas reflexões sobre Psicose em 78/52, o diretor Alexandre O. Philippe convoca uma série de nomes da área para avaliar cada aspecto da obra mais notória de Hitchcock. De críticos e teóricos do cinema, passando por Marli Renfro, dublê de corpo de Janet Leigh em Psicose, Danny Elfman e Amy E. Duddleston, respectivamente, compositor e editora do remake do cineasta Gus Van Sant, diretores como Guillermo del Toro (A Forma da Água) , Karyn Kusama (O Convite) e Eli Roth (O Albergue), até a filha da protagonista da cena em questão, a atriz Jamie Lee Curtis, todos tecem suas considerações sobre aspectos diversos do filme num documentário que se apropria do preto e branco do longa analisado e que os coloca num cenário que convoca referências do Bates Motel.
Como estrutura, o documentário não traz grande inventividade, funcionando como um grande vídeo ensaio coletivo sobre Psicose sustentado por seus depoimentos e pelos instantes em que Alexandre O. Philippe os utiliza. O interessante de 78/52 é como o documentarista trafega entre a análise imanente da obra e seu ponto de vista contextual, entendendo, por exemplo, o impacto das escolhas de Hitchcock para a plateia da época, compreendendo como o realizador se apropriou de toda uma tradição do cinema e influenciou as demais gerações. Tudo isso a partir de uma única cena. Para cinéfilos, 78/52 certamente terá grande impacto pois aborda em minúcias uma cena emblemática de um dos filmes mais importantes da história do cinema.
Disponível na Netflix
78/52, 2017. Dir.: Alexandre O. Philippe. Roteiro: Alexandre O. Philippe. Documentário, 91 min.
Assista ao trailer:
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