Assumir a responsabilidade por atos equivocados e de consequências desastrosas pode ser difícil para algumas pessoas. Muita gente prefere se esquivar no acaso ou na ação de terceiros. No entanto, em algumas situações, a cobrança pela omissão chega e pode ser implacável. Tomando como ponto de partida essa percepção sobre o comportamento humano na concepção de uma grande tragédia na tradição grega, o cineasta Yorgos Lanthimos (O Lagosta e Dente Canino) concebe O Sacrifício do Cervo Sagrado, um conto sombrio e trágico sobre uma família que acaba sofrendo as consequências por um ato irreversível do seu patriarca, um renomado cardiologista, na mesa de cirurgia.
Contar muitos detalhes sobre a trama do filme, seria penalizar o espectador com uma experiência menos impactante nos cinemas, afinal é fundamental que o público saiba pouco a pouco as motivações que mobilizam seus personagens centrais e fazem a trama tomar rumos cada vez mais tensos e inesperados. Assistir O Sacrifício do Cervo Sagrado é jogar-se nos braços do imprevisível e assim o cineasta deseja que seja a sua fruição. Portanto, aqui, iremos reter o máximo de informações que pudermos.
O filme é um "casamento" exitoso entre uma direção inteligente e sofisticada e um roteiro de fôlego proporcionada pela junção do diretor Yorgos Lanthimos e seu co-roteirista Efthymis Filippou, com quem o realizador já havia trabalhado em O Lagosta, Dente Canino e Alpes. Lanthimos constrói uma atmosfera soturna, preenche a dinâmica dos seus personagens com suas excentricidades e marca sua narrativa com a instabilidade que a revelação de segredos podem gerar no curso da sua história. Os cenários do longa são, em sua maioria, corredores frios e assépticos de um hospital e Lanthimos explora o teor soturno desses espaços, transformando-os em instâncias de uma tragédia anunciada.
A frieza do diretor com seus personagens soa estranha a princípio, mas com o passar do tempo mostra-se pertinente tendo em vista a cartela de efeitos que o longa pretende causar no espectador. A casa da família Murphy é tomada por uma burocratização dos afetos que revela suas consequências no terceiro ato. A insegurança, omissão e mediocridade de Steven contrasta com o pragmatismo adquirido de Anna, uma mulher que sempre surge cansada pela falta de iniciativa do marido. Ambos vivem sob o mesmo teto e parecem ter uma centelha de sentimento que os conecta, mas tudo ficou tão protocolar que a maturidade da relação lhes legou como alternativa conviver com situações "debaixo do tapete" ou mesmo com a falta de vontade de resolver os problemas de comunicação conjugal.
Tanto Colin Farrell quanto Nicole Kidman brilham na sensibilidade com que conseguem captar os movimentos aparentemente estranhos dos seus personagens, conferindo-lhes uma certa frieza e apatia - e é curioso notar como isso não torna os protagonistas figuras insensíveis aos seus próprios impasses na trama. Em meio a tantos acertos de Lanthimos, há ainda o desempenho do jovem Barry Keoghan (de Dunkirk), que dá vida a um sinistro intruso, sendo fascinante acompanhá-lo em cada segundo do filme.
Tanto Colin Farrell quanto Nicole Kidman brilham na sensibilidade com que conseguem captar os movimentos aparentemente estranhos dos seus personagens, conferindo-lhes uma certa frieza e apatia - e é curioso notar como isso não torna os protagonistas figuras insensíveis aos seus próprios impasses na trama. Em meio a tantos acertos de Lanthimos, há ainda o desempenho do jovem Barry Keoghan (de Dunkirk), que dá vida a um sinistro intruso, sendo fascinante acompanhá-lo em cada segundo do filme.
Com maturidade no exercício do seu cinema, Yorgos Lanthimos entrega um filme perturbador ao revelar facetas soturnas do ser humano sem muita expectativa de que todos saiam ilesos das situações. De certo em O Sacrifício do Cervo Sagrado só mesmo a fatalidade que lança seus personagens em caminhos sem volta e a certeza de que estamos diante de mais um exemplar fascinante da carreira desse cineasta.
The Killing of a Sacred Deer, 2017. Dir.: Yorgos Lanthimos. Roteiro: Yorgos Lanthimos e Efthymis Filippou. Elenco: Colin Farrell, Nicole Kidman, Barry Keoghan, Bill Camp, Raffey Cassidy, Sunny Suljic, Herb Caillouet, Denise Dal Vera, Barry G. Bernson, Alicia Silverstone. Diamond Filmes, 121 min.
Assista ao trailer:
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