Raras são as obras que conseguem ser abertamente emotivas sem soar cafona na manipulação dos seus sentimentos como Extraordinário. Parte disso é fruto da sensibilidade de Stephen Chbosky, cujo trabalho mais popular é As Vantagens de ser Invisível, adaptação cinematográfica dirigida e roteirizada pelo próprio realizador a partir de uma obra literária de sua autoria. Aqui, o material original é de outra fonte, o best-seller de R.J. Palacio, mas o êxito do resultado é bem parecido.
Dá para entender as razões pelas quais Chbosky é o nome por trás desta adaptação. Assim como As Vantagens de Ser Invisível, Extraordinário trata da importância da empatia no processo de amadurecimento humano, delineando a temática em núcleos familiares e relações de amizade com um forte engajamento emocional por parte do filme de maneira simples e acessível para o público, mas em momento algum procurando forjar sentimentos com construções narrativas cheias de apelo e artificialidade. Aqui, o discurso e seu efeito são poderosos de maneira espontânea e honesta, sem hipocrisias ou maniqueísmos.
Em Extraordinário, acompanhamos o primeiro dia na escola de Auggie Pullman, garoto que nasceu com uma deformação facial e já passou por cerca de 27 intervenções cirúrgicas. Vivendo com sua mãe Isabel, seu pai Nate e sua irmã Via, Auggie enfrentará pela primeira vez a convivência com meninos e meninas da sua idade, enfrentando problemas que todo garoto como ele passa, mas com o fator do preconceito muito latente por suas características físicas. Na medida em que Auggie convive com as pessoas ele acaba passando lições importantes para todos e também aprendendo muito com a experiência de enxergar os outros e as situações para além das aparências e da sua própria esfera de preocupações e problemas.
Extraordinário não é um filme de afetações visuais ou vanguarda artística, o que Chbosky quer com seu drama familiar é fazer uma história que se comunica com os mais diversos públicos que eventualmente terão contato com ela. Obviamente, a chave de diálogo do longa com o espectador é a da emoção, um melodrama sem subterfúgios. Desde o primeiro instante, Extraordinário quer agarrar o público pelo coração, e tudo é feito com muita simplicidade e de maneira muito direta, o filme não tem vergonha alguma da sua vocação lacrimal. No entanto, o longa não é desonesto com sua plateia, não cai no terreno da apelação nem cria situações artificiais para gerar lágrimas, pelo contrário, Chbosky, que também co-assina o roteiro junto com Steve Conrad e Jack Thorne, faz com que tudo em Extraordinário seja marcado pela espontaneidade e por uma gradual e cuidadosa construção de personagens e das relações em torno deles. É por isso que o filme emociona tanto.
Ao contrário do que poderíamos imaginar, Extraordinário não é a história de um único personagem, ainda que a trajetória de Auggie Pullman, no final das contas, assuma um grande protagonismo, mas sobre pessoas que ao estabelecerem relações que gravitam em torno desse menino conseguem perceber umas as outras para além das aparências e para além dos seus próprios problemas. Nesse sentido, o roteiro tomado de muita sensibilidade destina algumas passagens que enfocam personagens como Jack Will, melhor amigo de Auggie, ou Miranda, a melhor amiga de Via. Em dado momento, ambos derrapam com algumas atitudes, mas revelam suas inseguranças e seus arcos de amadurecimento emocional ao assumir seus erros e tentar consertá-los, ao passo que personagens como o garoto causador de bullying Julian parece reproduzir comportamentos vistos em casa com seus pais. Isso adiciona camadas aos personagens e faz com que suas dinâmicas não sejam simplificadas no maniqueísmo de um "bem" contra o "mal".
A decisão do roteiro de tomar o ponto de vista de diversos personagens (não sei se isso é próprio do livro) pode soar dispersão a princípio, mas logo revela o esforço de Chbosky de reforçar como a empatia proporciona um processo de amadurecimento coletivo que, como antecipamos, não escapa nem mesmo a Auggie, um personagem que poderia ser construído como alguém automaticamente solidário pela sua condição, ou seja, ser uma vítima corrente de preconceito, mas que aqui necessita tanto quanto os outros aprender que todos estão lutando suas próprias batalhas na vida e que nem tudo está centrado na nossa existência. Nesse sentido toda uma sequência que envolve a recusa da irmã Via de levar sua família para uma apresentação teatral é fundamental para amarrar esse propósito da narrativa.
A decisão do roteiro de tomar o ponto de vista de diversos personagens (não sei se isso é próprio do livro) pode soar dispersão a princípio, mas logo revela o esforço de Chbosky de reforçar como a empatia proporciona um processo de amadurecimento coletivo que, como antecipamos, não escapa nem mesmo a Auggie, um personagem que poderia ser construído como alguém automaticamente solidário pela sua condição, ou seja, ser uma vítima corrente de preconceito, mas que aqui necessita tanto quanto os outros aprender que todos estão lutando suas próprias batalhas na vida e que nem tudo está centrado na nossa existência. Nesse sentido toda uma sequência que envolve a recusa da irmã Via de levar sua família para uma apresentação teatral é fundamental para amarrar esse propósito da narrativa.
Cheio de doçura na medida certa, Extraordinário é um filme que acalenta e educa em tempos tão complicados como o que temos vivido. O longa acaba se tornando uma forma de enxergar a vida, as pessoas e a experiência de viver em comunidade mais necessária do que nunca, sobretudo quando vemos cada vez mais pessoas se agredindo tanto, de diferentes formas e de maneira tão gratuita. Com seu mosaico de personagens, Extraordinário destaca como não é necessário que sejamos iguais aos outros para que consigamos entender suas dores, perceber suas virtudes, conhecê-las, se solidarizar com elas e até lutar por suas causas. Os mais cínicos, como sempre, podem taxar o filme de piegas, prefiro entendê-lo como humano, um longa que inescapavelmente sensibiliza e que demanda pouca resistência por parte do público. Se deixar levar pelas emoções aqui é quase que um compromisso, parte da experiência que o filme quer proporcionar. E, sinceramente, é quase impossível não se deixar levar pelas emoções aqui.
Wonder, 2017. Dir.: Steven Chbosky. Roteiro: Steven Chbosky, Steve Conrad e Jack Thorne. Elenco: Jacob Tremblay, Julia Roberts, Owen Wilson, Izabela Vidovic, Noah Jupe, Danielle Rose Russell, Mandy Patinkin, Nadji Jeter, Bryce Gheisar, Daveed Diggs, Millie Davis. Paris Filmes, 113 min.
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