A década de 1960 é estopim para o cineasta João Moreira Salles costurar o seu mais recente documentário, No Intenso Agora. Entre a revolta estudantil de maio de 1968 na França, a Primavera de Praga e a China do regime Mao em 1966, o cineasta reflete sobre os movimentos e esforços de mudança política e cultural da época com poesia e conclui que a esperança dos mesmos é esfacelada por movimentos cíclicos que atestam a dificuldade da disseminação de certas ideias diante de poderes que acabam se sobrepondo a uma vontade popular.
No filme, Moreira Salles utiliza imagens de arquivo de civis da época e as mescla com a experiência de sua própria mãe numa viagem para a China. O relato do diretor é marcado por um discurso político firme acerca dos ciclos de revolução em todo mundo. Ao mesmo tempo, Salles consegue trazer poesia a tal engajamento e palavra direcionada com uma narração que ora surge como um relato de memória familiar, ora como uma forma de filosofar sobre a própria existência do homem em sociedades cada vez mais complexas em suas tensas relações de poder.
Em certo momento, o pulso mais inventivo do diretor no instante de relacionar os registros de terceiros com os de sua mãe acaba não sendo sentido na tela e as relações dessas imagens ficam restritas à questão da presença do olhar da lente, uma reflexão do cineasta sobre o papel do audiovisual nesses contextos. Nesse sentido, o longa tem um estranho desnível na forma como ele destrincha os acontecimentos da Paris de 1968, que de fato são esmiuçados em detalhes pelo realizador, e a maneira como ele se posiciona sobre as passagens da China, que, por serem alicerçadas no registro fílmico materno, acabam restritos às impressões da mesma sobre o país naquele momento sem muita contextualização de tudo isso. Um vídeo caseiro e percepções relativamente superciais sobre o país e seu momento em 1966.
Em No Intenso Agora, a bagagem do cineasta e a forma como ele narra os acontecimentos segue peculiar pela humanidade com que Moreira Salles consegue enxergar acontecimentos que nas mãos de outro documentarista poderia render um relato frio ou um discurso ideológico inflado. Não deixa de ser perceptível, todavia, um desnível no tratamento das diversas frentes narrativas dos anos de 1960 que o diretor propõe esmiuçar, fazendo com que o filme apresente fôlego em determinados momentos e outros deixe a desejar.
No Intenso Agora, 2017. Dir.: João Moreira Salles. Documentário.
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