Tendo como fio condutor o trabalho de centros de alfabetização para adultos na periferia de Salvador, o documentário Diários de Classe, de Maria Carolina e Igor Souza, acaba tratando da realidade de um país que cultural e estruturalmente não consegue oferecer muitas alternativas para suas três protagonistas, uma encarcerada por tráfico de drogas, uma jovem trans e uma empregada doméstica. Confinadas por rótulos sociais enraizados no preconceito de gênero, cor e classe social, nem mesmo a educação, que em outras condições poderia ser a tábua de salvação para suas vidas, parece um caminho que traz algum tipo de perspectiva. No entanto, suas presenças na sala de aula evidenciam a persistência de cada uma delas pela afirmação dos seus próprios direitos.
É certo que Diários de Classe não é um filme otimista, nem poderia, já que a realidade brasileira não colabora muito nesse sentido. Com suas três personagens principais, os diretores constroem um cenário no qual nem mesmo os usuais créditos após o encerramento do documentário trazem o mínimo vislumbre de melhoria nas condições de vidas dessas mulheres, pelo contrário. O tom conclusivo é compreensível pois atenuar uma realidade tão dura pensando em maneiras de deixar o espectador confortável na poltrona do cinema com aquilo que se vê na tela seria um completo desserviço. Portanto, o que o público verá no documentário é uma realidade esmiuçada em todos os seus meandros, tratando o quadro com a complexidade, as tensões discursivas e as falas que merecem estar na tela.
Ao mesmo tempo, Diários de Classe não é uma narrativa burocrática e fria na aproximação que procura ter com suas principais personagens. De um lado, os realizadores conseguem sublinhar suas lutas contra um sistema carcerário que pune a ponta mais frágil da cadeia, a transfobia de uma sociedade que nega o direito de existência de todo um grupo de pessoas e um preconceito racial e de classe legado pela história e presente nas relações trabalhistas de hoje. Do outro, há um retrato da vida dessas mulheres fora dessa ambiência silenciadora em suas relações com familiares, amigos, suas aspirações e sonhos pessoais e profissionais, que fazem com que exista uma empatia do público com suas lutas e que os estereótipos que o filme tanto provoca sejam dissolvidos na tela.
Assim, para além do discurso, Diários de Classe se transforma num filme que de fato tem uma potência transformadora. É certo que ao final da sessão fica um gosto amargo, sobretudo porque o longa dimensiona de maneira complexa todo um contexto social e porque conhecemos mulheres tão fascinantes afirmando sua existência num cenário que, camufladamente ou não, insiste em negar seus direitos, um cenário opressor no qual se acumulam os preconceitos. No entanto, cabe destacar que ao equilibrar o olhar para uma retrato político, social e histórico problematizador do país com um interesse pelas pessoas por trás desse cenário, Diários de Classe evidencia o poder do seu cinema de gerar empatia, reforçando e, quem sabe, convocando adesões a uma causa. Isso é inegavelmente poderoso e merecia ser visto para além do restrito circuito dos festivais por onde o filme tem passado. Torcendo para que isso aconteça.
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