O que não falta na rede é hater. Na cibercomunidade cinéfila então... Para quem não está familiarizado com o termo (acho que poucos, mas não custa nada esclarecer), trata-se de uma torcidinha de nariz para tudo aquilo que é popular. "Fulano de tal ou filme tal é superestimado". É o que a gente mais ouve e lê por aí. Em que pese a liberdade de expressão e a possibilidade sincera de se ter reservas a respeito de algo que recebe a aprovação de uma massa - e ainda bem que a internet nos dá ferramentas para nos posicionar sobre as coisas e problematizar as obras e as coisas em circulação no mundo -, a sensação que me toma muitas vezes é que tal expressão tem relação com um esforço hercúleo que a alta cinefilia tem de se colocar no mundo, na verdade, se afirmar intelectualmente nele, e isso surge não na forma de argumentos mas de agressividade, deboche e ironia.
Nesse sentido, toda temporada de premiações ouvimos a mesma cantilena: "O Oscar não importa!", "Todos sabemos que o Oscar é uma grande piada"... O filme vencedor do prêmio de melhor filme então, coitado, muitas vezes é marcado em sua história com a fama de "bomba cinematográfica" pela alta cinefilia pelo simples fato de ter concorrido ao prêmio e ganhado na competição de um outro longa superior (sim, podemos dizer que O Resgate do Soldado Ryan é superior a Shakespeare Apaixonado, mas o fato do segundo ter vencido ele no Oscar justifica a má reputação que o longa de John Madden ganhou no decorrer da história? Penso que não). No fundo, esse discurso passa a sensação clara de que seu formulador está querendo de alguma maneira se afirmar intelectualmente no espaço de discussões. "Eu, como cinéfilo amadurecido que sou, não dou a mínima para essa celebração popular, midiatizada e americana do cinema".
Evidente que muitas vezes as escolhas do Oscar são duvidosas (lembrem-se, é um grupo de votantes, como tal, cada cabeça um tipo de cinema) e em vários casos a história nos revela as obras-primas de maneira mais precisa do que os prêmios (pense também que a história trabalha com lapsos temporais maiores, premiações lidam com a imediaticidade das escolhas e julgamentos), mas ninguém nunca disse que o coitado do careca dourado é sinonimo de tudo aquilo que lhe atribuem. O Oscar é uma grande diversão. Simplesmente se divirta com todo o hiperbolismo da festa, suas gafes, suas escolhas certas. Particularmente, nunca levei o Oscar a sério e é justamente por isso que ele me é tão caro. É simplesmente divertido acompanhar tudo aquilo que gira em torno dele. E se já sabemos de antemão que outras instâncias são mais efetivas em conferir valor às obras, como a história, por exemplo, para que bradar aos quatro cantos do mundo contra o próprio coitado como se quisesse todo ano revelar ao grande público uma farsa ou engodo que não existe já que nunca se apresentou enquanto instância a ser levada a sério? Prega-se contra, grita e esperneia sobre suas escolhas, mas está todo ano ali comentando, postando coisas a respeito... Enfim, se importando.
Talvez o dado mais interessante sobre o Oscar que me faz gostar tanto dele que por seu intermédio a cinefilia se aproxima daqueles que não costumam falar sobre cinema durante o ano todo para falar sobre... cinema. E por que devo me opor a algo que aproxima o público da maneira mais ampla que pode daquilo que mais gostamos (é verdade, essa gama de pessoas ainda não é ideal em sua amplitude, mas é inegavelmente expandida). O cinema sai desse seu lugar encastelado, sai do nicho da cinefilia e da academia e assume um eco e uma sociabilidade que até então estava restrito aos grupos formados por nossos pares, que vira e mexe andam em círculos com o culto aos mesmos autores, cinemas etc (todos eles pertencentes àquilo que se considera cinema com "C" maiúsculo). E, oras, levando em consideração que parte da alta cinefilia passou ou passa por cursos de graduação e pós-graduação em comunicação e já devem ter tido contato com ideias que visam borrar as fronteiras incompreensivelmente estabelecidas entre o erudito e o popular porque não se importar com o Oscar?
E se tudo o que escrevi não faz o menor sentido para quem lê e siga achando que o Oscar é uma grande "bobagem" e por isso ele não importa, ao menos respeite quem gosta e quer fazer parte dessa festa. Aliás, isso vale não apenas para o Oscar mas para qualquer celebração massiva em torno de algo (ouvi Meryl Streep e La La Land?) Sei que o mundo de hoje é muito mais receptivo ao cinismo, mas para se garantir intelectualmente e como sujeito no mundo, ninguém precisa se transformar em evangelizadores de uma causa, nem impor seu ponto de vista de maneira ditatorial encobrindo-os com argumentos pretensamente fundados ou ironias.
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