A princípio, Christine: Uma História Verdadeira é um filme que chama a atenção por ser uma grande oportunidade para a talentosa Rebecca Hall exibir toda a potencialidade do seu talento, mas também pelo trágico acontecimento real que retrata. Nos anos de 1970, a repórter de TV Christine Chubbuck cometeu suicídio ao colocar uma arma em direção à cabeça e tudo foi ao ar ao vivo durante uma transmissão corriqueira do programa para o qual trabalhava. Christine, no entanto, não é um longa que se sustenta na curiosidade mórbida do caso, mas acaba gerando interesse do espectador por extrapolar essa zona da curiosidade. O filme de Antonio Campos (de Simon Assassino e Depois da Escola) é um intenso estudo sobre a depressão e como ela é retroalimentada por uma sociedade que até hoje insiste em negar seus sinais quando os mesmos são sutilmente apresentados.
No caso de Christine Chubbuck, os sintomas do seu estado de saúde estavam ali, expostos no cotidiano frustrante de um ambiente de trabalho que nunca lhe permitiu dar vazão a suas aspirações como jornalista apesar dos inúmeros esforços da repórter. Paulatinamente, uma série de pequenas agressões e abusos empreendidos por seus superiores e pela própria cultura da profissão vão se acumulando e o histórico de depressão da jornalista retorna de maneira intensa. No entanto, como se trata de um quadro de doença psicológica, tudo é minimizado por amigos, colegas de trabalho, parentes e pela própria Christine, que tenta atabalhoadamente superar o seu grave estado de saúde sem o menor suporte clínico, tudo por um esforço hercúleo de passar por cima das pontuais violências do cotidiano. A situação, claro, chega num ponto insuportável e culmina com a trágica e desesperada decisão de Chubbuck.
Naturalmente, acabei traçando praticamente todo o percurso do filme sem maiores precauções com o leitor que eventualmente queira ter surpresas. É que no caso de Christine o silenciamento dos meandros de sua trama é o que menos importa para preservar a espontaneidade da experiência do espectador. O longa é baseado num caso de conhecimento público, já retratado inclusive no documentário Kate interpreta Christine, e tem como grande atrativo fazer o espectador acompanhar a intensa e angustiante jornada psicológica da sua protagonista.
O diretor Antonio Campos constrói a odisseia de Chubbuck sem maiores alardes e inicialmente fica difícil para o espectador compreender a constante sensação de incomodo da protagonista em todos os ambientes pelos quais circula, uma decisão acertada em função do quadro clínico da protagonista que se agrava quando a mesma se depara com as demandas sensacionalistas do jornalismo empreendido por sua emissora, fazendo do filme também uma incisiva crítica a maneira como os fatos são retratados e explorados pela TV. O roteiro Craig Shilowich acerta ao não construir a trajetória da sua personagem com diálogos expositivos que expliquem didaticamente a depressão e seus meandros, como um contemporâneo hollywoodiano qualquer. Há um tratamento da questão nas entrelinhas pela maneira como Christine e sua mãe se referem ao quadro passado da protagonista, evitando nomear as coisas. Tudo é sintomático da origem de todos os problemas de Chubbuck, a vergonha e um silenciamento da depressão em nossa sociedade que no lugar de ajudar as pessoas que são vítimas dela só as levam para um lugar sem volta com demandas que impõem barreiras praticamente intransponíveis para a realização pessoal. Ao mesmo tempo, o filme não faz uma apologia ao suicídio, trazendo através de uma belíssima cena final a compreensão de como a ação de Chubbuck fez com que colegas que eventualmente passavam por situação parecida começassem a repensar suas próprias vidas, encontrando alguma forma de evitar ir pelo mesmo caminho de Christine.
Do início ao desfecho do filme, somos colocados a um estado de tensão e incomodo de conversas atravessadas, assuntos não enfrentados e agressões revestidas de rotina profissional que nos faz entrar na cabeça de uma personagem que parece nunca estar confortável com a própria pele. Assim, Campos conta com o benefício de ter no seu filme uma intérprete do calibre de Rebecca Hall. A atriz consegue transmitir o vulcão prestes a entrar em erupção que é Christine Chibbuck, sempre travada, inquieta e lutando contra os próprios impulsos suicidas, como podemos perceber numa cena em que a personagem realiza uma reportagem numa loja de armas e começa a ficar inquieta com a apresentação de vários desses objetos. No entanto, como reforçado inicialmente, Christine não é mero veículo para a sua protagonista, ainda que seja o ponto mais alto da sua carreira até então. É um longa que se apropria desse caso real para lançar luz a uma questão séria e que segue urgente numa sociedade que persiste em fazer vista grossa a sua gravidade.
Disponível no Net Now.
Christine, 2016. Dir.: Antonio Campos. Roteiro: Craig Shilowich. Elenco: Rebecca Hall, Michael C. Hall, Tracy Letts, Maria Dizzia, J Smith-Cameron. Timothy Simons, Kim Shaw, John Cullum, Morgan Spector, Jayson Warner Smith, Kimberley Drummond. 119 min.
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