No centro do drama O Castelo de Vidro está a relação de afeto e mágoa entre a jornalista Jeannette Walls e seu pai Rex. Criada com seus três irmãos de maneira nômade por Rex e a esposa Rose Mary, na adolescência, Jeannette passou a buscar um outro tipo de vida para si. Rex e Rose Mary criaram seus filhos com um estilo de vida que torcia o nariz para os atrativos da cidade grande, reforçando quão predatório é o sistema econômico que rege uma selva de pedra e como a vida simples de poucos recursos é um ideal recomendável. Com o passar do tempo, no entanto, a realidade bate na porta da família e os conflitos começam a aparecer. O alcoolismo de Rex ganha contornos mais severos, falta dinheiro até mesmo para comprar comida e o sonho de construir uma casa perfeita feita de paredes de vidro (ironicamente evidenciando a fragilidade dos sonhos do patriarca) escapa pelos dedos de Rex Walls, que passa a perceber que todos os seus filhos querem tomar rumos "quadradões" em suas vidas.
O longa de Destin Daniel Cretton, que também co-assina o roteiro, é baseado nas memórias da sua própria protagonista, Jeannette Walls. Portanto, o que verá em O Castelo de Vidro é um relato emocionalmente engajado da sua história. No entanto, o mérito do longa é compreender que o teor emotivo e a participação dos seus próprios protagonistas na confecção da trama não quer dizer que o longa transforme seus personagens em super-seres isentos de falhas, sobretudo Rex Walls, interpretado com fibra por Woody Harrelson, indubitavelmente a melhor presença do filme, o que traz como contrapartida, infelizmente, um subaproveitamento tanto de Brie Larson quanto de Naomi Watts, cujas personagens são apenas funcionais para a trama. Apesar desse deslize com seu elenco feminino, Cretton consegue construir uma história que respeita e admira suas personagens, mas também sabe mostrar as suas falhas.
A força motriz do drama de O Castelo de Vidro está no olhar de Jeannette para o seu pai e como isso a move em seu processo de amadurecimento. Gradualmente, a recusa de Rex por todas as coisas do sistema (dinheiro, auxílio médico e educação institucionalizada para seus filhos) acaba se revelando um estilo de vida difícil de se bancar, até porque nem o próprio personagem está tão certo de que fizera as renúncias necessárias e que as mesmas são de fato indispensáveis. O longa sobrevive graças a esse conflito central: uma jovem percebendo que não deseja o tipo de vida que o pai construiu para si e sua esposa, mas a força e a dívida que a vincula afetivamente ao seu passado. Da rebeldia e fúria com as ranhuras do caráter de Rex, Jeannette passa a sua aceitação e abraça àquilo que seu pai tem de melhor.
Estruturalmente, o filme fica entre a memória da infância de Jeannette e seus momentos no presente, quando ela é interpretada por Brie Larson (vencedora do Oscar por O Quarto de Jack), nos anos de 1980. Os momentos de maior interesse do longa estão na infância da protagonista, mas sua versão adulta não é de todo descartável já que lá está presente o coração da própria história que nos é contada. Contudo, conforme adiantamos, na maturidade Jeannette vira uma personagem esquematizada e que explora muito pouco o talento dramático da sua intérprete. O longa derrapa ainda em algumas soluções dramáticas "manjadas" com direito a tomadas de consciência seguidas de discursos grandiloquentes dos seus protagonistas (Larson tem esse momento na mesa de um restaurante). Ainda assim, O Castelo de Vidro rende um relato sensível sobre a quebra da imagem perfeita que criamos dos nossos pais na infância e a constatação na maturidade de que eles são figuras contraditórias e falhas, como nós, afinal são humanos, e como podemos abraçar e viver em paz com isso.
The Glass Castle, 2017. Dir.: Destin Daniel Cretton. Roteiro: Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham. Elenco: Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts, Max Greenfield, Ella Anderson, Chandler Head, Josh Caras, Charlie Shotwell, Sarah Snook, Brigette Lundy-Paine. Paris Filmes, 127 min.
Leia sobre a repercussão internacional do filme na coluna Radar Crítico aqui.
Assista ao trailer do filme:
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