Em Mais Forte que Bombas, Isabelle Huppert interpreta uma fotógrafa de guerra que em suas andanças pelo mundo já registrou alguns dos momentos mais trágicos da humanidade tendo a morte como uma constante nesses instantes. Quando a personagem morre, sua família tem que vivenciar o luto no âmbito doméstico e é nessa esfera que esse destino natural de todos nós revela-se incomodo e ensurdecedor. Isso acontece em função de uma incomunicabilidade entre pais e filhos, ninguém consegue tratar de maneira aberta o assunto, a morte da matriarca, sobretudo pelas suas peculiares condições, vira um tabu. Há na família uma dificuldade de discernir o que deve e o que não deve ser dito, como ser dito... Assim, mágoas são cultivadas e a infelicidade se perpetua por gerações. É dessa forma que o cineasta dinamarquês Joachim Trier, de Oslo, 31 de Agosto e Começar de Novo, realiza um exercício sensível de reflexão sobre as relações familiares, a singular vivência de correspondentes de guerra, seus efeitos na sua esfera mais íntima, evidenciando consequências tão ou mais devastadores quanto àquelas testemunhadas no front de um sangrento conflito bélico.
O interesse de Trier é no luto vivenciado pelo esposo da personagem de Huppert, vivido por um Gabriel Byrne em plena forma, e pelos seus dois filhos, um interpretado por Jesse Eisenberg e outro por Devin Druid (ótimo, o destaque do longa). O realizador estabelece interessantes contrapontos entre a situação presente e os flashbacks ou fantasias dos filhos de Huppert com a mesma, sobretudo o mais novo vivido por Druid. Tais momentos nos dão uma dimensão das complicadas consequências carregadas por quem vivencia conflitos internacionais como "ossos" da profissão. Compreendemos a dificuldade de adaptação a rotina doméstica e o sentimento de deslocamento dentro de uma esfera tão íntima quanto a familiar, que acaba criando uma lógica própria de funcionamento interpessoal enquanto o ente em questão desloca-se constantemente e passa dias longe dos seus familiares, na maioria das vezes, sem acompanhar o crescimentos dos próprios filhos, por exemplo. Por sua vez, a morte da personagem deixa sequelas ainda mais graves no enfrentamento da questão e, nesse sentido, Trier destina ótimos momentos da sua história para Byrne, Eisenberg e Druid exercitarem a dificuldade que seus personagens tem ao lidar com a morte de alguém que sempre fora muito ausente, mas que era tão querida, e que se foi de maneira devastadora.
Mais Forte que Bombas é um filme que aborda como, as vezes, é difícil nos comunicarmos com aqueles que estão mais próximos de nós e como a quebra desses tabus é determinante para a resolução de determinadas ranhuras nas relações pessoais. Podemos pensar que a morte da matriarca poderia, por exemplo, ser evitada, caso sua família percebesse determinados sinais. Podemos pensar também como determinados medos e inseguranças dos seus filhos poderiam ser melhor administradas caso mágoas e dúvidas fossem verbalmente expostas. O "não dito" é determinante no destino dos personagens de Mais Forte que Bombas, assim como na vida. Em Mais Forte que Bombas, ao lidar com essas tensões do silêncio e dos problemas mal resolvidos, encalacrados e sufocados em nossa própria existência, de maneira tão habilidosa e econômica, Trier encontra uma delicadeza particular no tratamento de questões tão humanas e que são cruciais às relações sem que venhamos perceber.
Louder than Bombs, 2016. Dir.: Joachim Trier. Roteiro: Joachim Trier e Eskil Vogt. Elenco: Isabelle Huppert, Gabriel Byrne, Jesse Eisenberg, Devin Druid, Amy Ryan, David Strathairn, Megan Ketch, Ruby Jerins, Rachel Brosnahan, Russell Posner. Vitrine Filmes, 109 min.
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