Faz algum tempo que andamos reclamando dos rumos que a carreira de Tim Burton tomou a partir dos anos 2000- e quando conjugo o verbo na primeira pessoa do plural, me refiro a crítica e ao público de maneira geral. O Burton de filmes como Alice no País das Maravilhas ou de Sombras da Noite é um cineasta tentando, fracassadamente, interpretar as suas próprias marcas ao reproduzir apenas poucos elementos que garantiram o sucesso de longas como Edward Mãos de Tesoura ou Os Fantasmas se Divertem, rebuscando no CGI e nas histriônicas performances de Johnny Depp o universo excêntrico que sempre fora objeto de seu interesse.
Tim Burton tentou apagar esta má reputação com Grandes Olhos, mas neutralizou tanto sua personalidade por trás de um melodrama desconjuntado que nem mesmo a performance de Amy Adams e muito menos a de Christoph Waltz garantiram o êxito do projeto. Assim, é curioso que, à frente de uma produção como O Lar das Crianças Peculiares, adaptação de uma série literária homônima escrita por Ransom Riggs, que possui escancaradamente a "mão" de um grande estúdio (a Fox), o realizador consiga um equilíbrio poucas vezes visto em sua carreira recente, mesmo que não esteja isento de tropeços. Aqui, Burton é o diretor com características específicas que servem ao projeto e não está ali apenas para seguir orientações de um roteiro, e o filme faz uso desse olhar do realizador para o que é "excêntrico", mas também percebemos que se trata de uma obra genérica do seu nicho que não pretende afugentar plateias em nome dos caprichos de um diretor-autor.
Em O Lar das Crianças Peculiares, os X-Men encontram Harry Potter na história de um jovem chamado Jake (Asa Butterfield, de A Invenção de Hugo Cabret) que viaja no tempo após seu avô falecer. Através de fendas, o jovem acaba encontrando o orfanato em que o avô fora criado. A casa é administrada pela Srta. Peregrine (Eva Green) e abriga jovens com dons particulares, como Emma Bloom, que de tão leve flutua no ar, ou Bronwyn, que tem uma força descomunal. Lá, Jake descobre os riscos que todos estão correndo caso uma misteriosa ameaça consiga fazer a mesma viagem no tempo que ele empreendeu.
O Lar das Crianças Peculiares possui seus problemas. O roteiro de Jane Goldman não é lapidado o suficiente, possuindo em determinados momentos explicações confusas ou excessos de explicações para determinados elementos chaves do filme, como as fendas no tempo. Além disso, o longa em si e seus personagens e relações demoram a engrenar, isso só acontece próximo do fim da história, quando o fôlego e a boa vontade do espectador já não são as mesmas do início. Acontece que apesar de produzir a sensação de que estamos diante de mais um longa que pretende fundar uma franquia cinematográfica nos moldes Harry Potter, O Lar das Crianças Peculiares é eficiente como um inofensivo passatempo.
As crianças que habitam o lar da Srta. Peregrine, sem exceção, estão ótimas em cena e funcionam bem como um coletivo, sem maiores realces na performance de um ou de outro, o que funciona aos propósitos de uma aventura em equipe. Asa Butterfield consegue segurar bem as pontas como o protagonista da história, demonstrando amadurecimento como ator, e Eva Green também está confortável na pele de Alma Peregrine. O mesmo, infelizmente, não pode ser dito de Samuel L. Jackson, mal escalado como o vilão Barron. A equipe do filme deveria ter contratado, ao menos, um ator com um rosto menos marcante para o papel. Além dele, Judi Dench e Allison Janney também dão as caras na produção em participações ainda mais pífias. Terence Stamp sai-se melhor como o avô de Butterfield em seus breves momentos no longa.
São os méritos de O Lar das Crianças Peculiares que marcam a fita como um longa agradável para se assistir no cinema (sem o 3D, pois ele é praticamente inexistente, que fique registrado). O uso do stop motion em uma cena de briga entre bonecos no lugar do óbvio recurso do CGI é um demonstrativo do quão ciente dos seus excessos Tim Burton está aqui. O filme está longe de ser uma das melhores produções do seu nicho, mas dentro do seu escopo mais contido, consegue se apresentar ao público com um saldo positivo. Nada de extraordinário, nem peculiar como as crianças do título, porém mais agradável e honesto do que os títulos que o seu realizador vinha oferecendo desde que passou a se equivocar na leitura das suas próprias marcas de autoria.
Mrs. Peregrine's Home for Peculiar Children, 2016. Dir.: Tim Burton. Roteiro: Ransom Riggs. Elenco: Eva Green, Asa Butterfield, Samuel L. Jackson, Ella Purnell, Finlay MacMillan, Judi Dench, Allison Janney, Chris O'Dowd, Terence Stamp, Lauren McCrostie, Hayden Keeler-Stone, Georgie Pemberton, Milo Parker, Raffiella Chapman. Fox, 127 min.
Assista ao trailer do filme:
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