A Segunda Guerra Mundial é uma das passagens da história da humanidade mais revisitadas pelo cinema. Entre as mais diferentes abordagens, quase sempre as reflexões sobre o conflito giram em torno de questões geo-políticas e as consequências humanas da guerra, sendo que a última surge sobretudo como uma forma de exorcizar a culpa alemã pelas ações nazistas. Filho de Saul, premiado longa de László Nemes, que até então ficara conhecido no circuito europeu pelo seu trabalho como curta-metragista, tem essa preocupação como um dos seus principais propulsores dramáticos. Com uma atmosfera carregada que consegue dar conta dos horrores do conflito em uma esfera particularizada, Filho de Saul apresenta-se ao público como um filme que retoma antigas dores por uma perspectiva que ainda que não pareça completamente inédita, ao menos tenta caminhos e olhares narrativos inventivos que envolvem emocionalmente a sua plateia.
László Nemes ambienta o seu filme em um campo de concentração de Auschwitz no ano de 1944, em pleno conflito mundial. Nesse cenário, acompanhamos um momento específico da vida de Saul, um judeu obrigado a trabalhar para os nazistas cuja função principal no campo de concentração é limpar as câmaras de gás após a morte de outros judeus. Durante a execução da sua tarefa, Saul acaba deparando-se com o corpo do seu próprio filho e resolve empreender esforços para driblar a vigilância nazista e enterrar o garoto dignamente.
Filho de Saul acerta ao personalizar a sua perspectiva sobre os eventos da Segunda Guerra Mundial. Ao centrar sua atenção na perspectiva do seu protagonista para o que acontece a sua volta , o diretor e roteirista László Nemes evita o didatismo histórico e traz para o seu filme uma estratégia muito mais eficiente no dimensionamento dos horrores e das consequências da guerra para a sua plateia: o drama humano. Assim, ao ter como foco a jornada de Saul para honrar a memória do próprio filho, o realizador consegue oferecer ao público um longa de maior impacto emocional e força dramatúrgica do que se oferecesse dados históricos em uma perspectiva macro e reconstituições de época precisas.
Tudo é ainda mais eficiente se pensarmos na maneira como László Nemes filma Filho de Raul. O diretor opta por uma câmera subjetiva quase que na totalidade da sua narrativa, acompanhando cada decisão, passo, olhar e respiração de Saul, interpretado com uma apropriada discrição pelo ator Géza Röhrig. O efeito dessa opção do diretor é ainda mais interessante se pensarmos que mesmo que todas as situações de degradação humana mostradas em Filho de Saul sejam, em sua maioria, expostas propositalmente fora de foco, conseguimos senti-las como se todas estivessem em evidência já que o que tem importância o tempo todo é a jornada de uma das vítimas daqueles horrores.
Portanto, um dos maiores acertos de Filho de Saul é conseguir uma certeira produção de efeitos emocionais sem apelar para imagens de violência sensacionalista ou mesmo para o frio didatismo histórico. Ao acompanharmos em Filho de Saul a jornada de um homem comum preso nessa barbárie, conseguimos entender o ponto nevrálgico das principais consequências do nazismo e compreender que determinados feridas jamais serão cicatrizadas.
Saul Fia, 2015. Dir.: László Nemes. Roteiro: László Nemes e Clara Royer. Elenco: Géza Röhrig, Levente Molnar, Urs Rechn, Todd Charmont, Jerzy Walczak, Gergö Farkas, Balász Farkas, Marcin Czarnik, Levente Orbán, Uwe Lauer. Sony, 107 min.
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