Se há um capítulo na história recente do cinema brasileiro que não há como ser "pulado" é aquele protagonizado por Cidade de Deus, filme de Fernando Meirelles que, entre muitas glórias, coleciona uma passagem alvoroçada por Cannes, um debate acalorado no Brasil sobre os novos horizontes estéticos e narrativos do cinema nacional, uma "gorda" bilheteria não apenas por aqui mas em todo o mundo e quatro indicações ao Oscar em categorias principais (melhor direção, roteiro adaptado, montagem e fotografia). O documentário Cidade de Deus 10 anos depois não traz nenhuma dessas histórias, contudo. Após uma década do lançamento do longa, o filme de Cavi Borges e Luciano Vidigal busca nas histórias dos atores do filme e suas trajetórias após o longa de Meirelles o enfoque da sua narrativa. Com um elenco composto majoritariamente de jovens moradores das favelas cariocas, Cidade de Deus poderia expor uma série de histórias sobre as glórias de garotos pobres que conseguiram melhorar suas vidas graças ao cinema através do sucesso comercial e de crítica de um dos filmes mais importantes do país. Poderia, se não estivéssemos falando de um país como o Brasil. O que Borges e Vidigal expõem em seu documentário, que beneficia-se por recusar ser um apêndice do longa de Meirelles, é uma realidade contrastante entre os atores que conseguiram seguir uma carreira em ascendência ou que estão batalhando diariamente por um lugar ao sol e aqueles que sucumbiram ao mundo do crime ou enfrentaram dificuldades para seguir a profissão quando o frenesi em torno da obra passou. Em suma, o que os diretores nos apresentam é que, para alguns, o cinema não conseguiu promover transformações positivas - e como é duro acompanhar o que o destino reservou a Rubens Sabino da Silva, mas não por culpa de um descaso de Meirelles ou dos envolvidos que "exploraram" os garotos para realizarem sua obra e os deixaram ao léu, mas pela realidade de um país marcado pela desigualdade social e pelo tratamento descartável que confere aos seus talentos.
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