Grace de Mônaco



Grace de Mônaco será o tipo de filme que sempre trará lembranças amargas para os envolvidos, mas que será difícil de esquecer por um bom tempo. É o tipo de projeto que fica para a história do cinema não pelo seu resultado final, mas pelos inúmeros problemas de bastidor que trouxe à tona. Escolhido para abrir as atividades do Festival de Cannes de 2014, Grace de Mônaco chegava aos cinemas no calor da febre por cinebiografias de estrelas de Hollywood e realezas europeias contando parte da trajetória de Grace Kelly, um ícone que reunia em sua imagem esses dois fascinantes universos para o grande público. Teríamos um outro ícone por trás desta história, a atriz Nicole Kidman dando vida a sua protagonista, além dela, o diretor Olivier Dahan, que a despeito do fracasso de Minha Canção de Amor tinha sido bem-sucedido no retrato de Edith Piaf em Piaf - Um Hino ao Amor, e a distribuição norte-americana de um verdadeiro Midas, o produtor Harvey Weinstein, conhecido por realizar campanhas muito eficientes dos seus filmes para o Oscar e que comprou os direitos do projeto antes mesmo de vê-lo completamente realizado. Grace de Mônaco tinha como proposta contar o período em que Grace Kelly, após largar sua carreira em Hollywood, se viu tentada a retornar ao cinema mas decidiu permanecer ao lado do marido, o príncipe Rainier, e enfrentar as dificuldades da sua nova vida como princesa de Mônaco. 

Antes de chegar a Cannes, os primeiros atritos de backstage em Grace de Mônaco chegaram ao público. Filmado em 2013, o filme sofreu uma grande pressão de Harvey Weinstein que desejava que Olivier Dahan terminasse a sua montagem no final daquele mesmo ano para que o filme pudesse ter chances nas premiações do início de 2014. Dahan não conseguiu terminar o seu trabalho a tempo e Weinstein anunciou o lançamento do longa para o primeiro semestre de 2014, um pesadelo para qualquer título que tenha pretensões de angariar indicações a prêmios como o Oscar ou o Globo de Ouro (poucos títulos de começo do ano são lembrados pela Academia cujo processo de votação começa somente no final do segundo semestre). Começaram a surgir nos veículos especializados informações que indicavam que Dahan e Weinstein discordavam sobre a versão final de Grace de Mônaco a ponto do diretor afirmar que existiriam duas versões do filme, a dele, distribuída na Europa, e a do produtor, a versão norte-americana que o realizador não reconheceria. 

Abrindo o Festival de Cannes, o longa acabou gerando críticas que o consideravam como uma das aberturas mais infelizes da história do evento. Além disso, os Grimaldi reprovaram a maneira como o longa retratava o relacionamento de Grace Kelly e Rainier, considerando as tensões do casamento fantasiosas e até ofensivas. Acontece que os problemas não pararam na riviera francesa... Após a exibição do filme no festival, o roteirista Arash Amel se manifestou em seu twitter pessoal e disse não reconhecer na versão de Olivier Dahan o seu roteiro, o que foi muito estranho já que desde o início da produção de Grace de Mônaco ele relatava ao público no mesmo perfil o quanto estava animado com o andamento do projeto.

A estreia de Grace de Mônaco nos EUA ficou indefinida, o filme era arrastado demais para ser inserido na temporada de blockbusters de verão, tampouco parecia ser um candidato ao Oscar, ficando Harvey Weinstein com a difícil missão de encontrar uma data para fazer o debut do seu elefante branco. A solução encontrada pelo produtor foi negociar a sua exibição no canal de TV Lifetime (Sim! De abertura do festival de cinema de maior visibilidade do mundo, o longa foi para uma emissora conhecida por produzir telefilmes biográficos de gosto extremamente duvidoso). Assim, Grace de Mônaco estreou em maio de 2015 nos EUA, diretamente na TV, com uma versão redusidíssima de uma hora e dez minutos de duração. Durante a exibição, o roteirista Arash Amel comentou cada cena em seu twitter pessoal em posts irônicos que só foram gentis com os atores e Harvey Weinstein. Amel declarou coisas do tipo: "Eu escrevi uma biografia no estilo Peter Morgan (A Rainha) que se transformou em um melodrama de Douglas Sirk" ou "Em suma, 'Grace of Monaco' foi como ir ao Vietnã. Eu sobrevivi a isso, mas nunca esquecerei". O imbróglio parou por ai? Não. Quando todos pensaram que o assunto havia morrido (sim, porque Grace de Mônaco virou uma espécie de zumbi da indústria cinematográfica dos últimos anos), eis que o Emmy, popular premiação da televisão norte-americana, indica o longa na categoria melhor minissérie ou filme de TV, encerrando sua carreira (???) com um paradoxo. 

O filme

É claro que nenhum dessas informações sobre os bastidores de Grace de Mônaco devem servir como desculpa para redimi-lo em qualquer avaliação. A obra merece ser julgada pelo que se apresenta ao público e o longa é um equívoco do início ao fim sem maiores desculpas. No entanto, no caso de Grace de Mônaco a culpa do grande "abacaxi" recaiu no colo da sua protagonista Nicole Kidman, que injustamente recebe rotineiramente a alcunha de "produtora de bombas cinematográficas".

Antes de adentrar em mais este parênteses, queria deixar claro que, a despeito de ser grande admirador do trabalho da atriz, e isso nunca escondi de ninguém, reconheço os grandes erros da sua carreira e a acredito saber reconhecê-los, entre eles bobagens como Reféns e Esposa de Mentirinha. Acontece que, em meio a enxurrada de críticas negativas a Grace de Mônaco , surgiram os rotineiros comentários depreciativos a aparência da atriz, que me parecem mais próximos de manifestações de um certo "espírito de porco" do que um juízo sobre a obra, afinal as plásticas de Nicole nunca a impediram de oferecer algumas das melhores interpretações da sua carreira em trabalhos recentes como Reencontrando a Felicidade, Margot e o Casamento, Obsessão, Hemingway e Gellhorn, Segredos de Sangue e nos recentes e ainda inéditos no Brasil Strangerland e The Family Fang, sem falar no seu recente sucesso de crítica nos palcos londrinos Photograph 51. Em nenhum dos textos que avaliam os trabalhos que citei a aparência da atriz é usada como argumento, mas quando surge alguma "bomba" em sua carreira, pode ter certeza que o maldito botox será usado como muleta da crítica.

Nas palavras da própria Kidman em recente entrevista para a revista Interview, "Como ator, você não tem controle sobre o resultado final. [...] a gente aparece, participa do filme e depois vai embora.". Em Grace de Mônaco, a performance de Kidman, que não é o ponto alto da sua carreira, é bem verdade, não é a principal responsável pelo fiasco do filme. Ainda que percebamos um evidente erro de escalação, talvez uma atriz mais nova se encaixasse melhor no papel de uma Grace Kelly por volta dos seus 30 e 40 anos, Kidman faz o melhor que pode com aquilo que lhe é dado. O grande problema de Grace de Mônaco está justamente no tom que Olivier Dahan e Arash Amel, que não assumem a culpa do fracasso, deram ao longa ( aproveito para reforçar que não há razão para o roteirista sair de "bonzinho" nessa história toda). 

Grace de Mônaco usa como recurso narrativo um tom artificialmente melodramático que não está apenas na maneira como Olivier Dahan enquadra as situações narradas ou quando ele utiliza uma aborrecida e grandiloquente trilha sonora nos momentos de maior impacto da trama, mas também pela costura que Amel faz da sua visão particular sobre a vida de Grace Kelly, explorando com dramaticidade excessiva questões completamente banais e concebendo diálogos rasos que giram em torno de relacionamentos amorosos, família e toda sorte de especulação sobre a vida íntima dos Grimaldi. O grande problema de Grace de Mônaco, deixo bem claro, não é flertar com o melodrama, que, como qualquer gênero, é capaz de gerar obras boas ou ruins, mas utilizá-lo de maneira desastrada e com total ineficiência. 

O filme é responsável por um desserviço a quem de fato queira conhecer a história da família real de Mônaco, já que muito pouco do que é mostrado em Grace de Mônaco de fato ocorreu. O que os realizadores do longa fazem é utilizar algumas informações sobre os seus biografados e carregar  um pouco na tinta nos seus dramas. Assim, diante de questões como o complicado relacionamento de Grace Kelly com o seu pai, a dificuldade de adaptação da atriz a sua vida de princesa e as tensas relações políticas entre o governo francês e Mônaco, Dahan e Amel conferem uma excessiva gravidade e fazem a sua versão fantasiosa desses fatos, preenchendo-os de elementos que não passam de especulações. Por vezes, Grace de Mônaco parece funcionar como uma espécie de fábrica de boatos que envolve até mesmo a caracterização de Rainier como um homem que oscila entre a insegurança e um excessivo ímpeto de controlar o espírito independente da sua esposa americana. Ao final, o que temos não é necessariamente um filme sobre parte da vida da Grace Kelly, mas de uma Grace Kelly inventada cujos dramas e motivações soam artificiais ou banais e o espectador pouco se importa com o que vê na tela, apenas espera ansiosamente por toda aquela ornamentação acabar (sim, porque se o filme tem alguma qualidade está em recursos como figurinos e direção de arte). A excessiva liberdade criativa que os realizadores tiveram com os Grimaldi (sim, porque tal qual um tablóide, Grace de Mônaco chega a faltar com ética em alguns momentos) não é eficiente nem mesmo para criar motivações e conflitos críveis a sua protagonista. Em nenhum momento o espectador sai com respostas sólidas a principal questão que surge ao longo do filme: Por que tanto drama? Qual a razão desses personagens estarem com os nervos à flor da pele?

Entre erros por todos os lados, afirmar que o longa prima por figurinos e direção de arte deslumbrantes seria oferecer migalhas a um filme cujo resultado é bem insatisfatório. Nem mesmo o desempenho de atores como Nicole Kidman (que já mencionamos parágrafos atrás), Tim Roth, Paz Vega e Parker Posey podem ser muito exaltados já que eles têm muito pouco material para trabalhar, tendo em vista que seus personagens são desenvolvidos de maneira confusa em seus propósitos e motivações. Portanto, se nem as interpretações animam, não é por culpa dos atores. Talvez Frank Langella saia levemente ileso na pele de Tucker, grande confidente de Grace Kelly no longa. 

Em meio à guerra pública que se transformou Grace de Mônaco, na qual os envolvidos diretamente na obra não assumem a culpa pelo "filho" concebido, ninguém é inocente. O diretor Olivier Dahan demonstrou ser um realizador controlador e intransigente, incapaz de dar ouvidos aos seus colaboradores. O roteirista Arash Amel, que mostrou-se realizado com os caminhos da produção, pulou covardemente para fora do "barco" no momento em que ele estava afundando. Já Harvey Weinstein e sua gana por prêmios foi imprudente ao comprar os direitos de um filme, do qual não participou em seu estágio embrionário, a partir de um clipe de pouquíssimos minutos exibido em Cannes no ano de 2013. A mítica protagonista de bombas cinematográficas em série Nicole Kidman também tem sua parcela de culpa, não por ter oferecido um trabalho mal feito, mas por ainda aceitar impulsivamente fazer parte de um filme como Grace de Mônaco. Não que atrizes, sobretudo na sua faixa etária, tenham de fato um poder de escolha na indústria do cinema, poucas têm as cartas nas mãos como Meryl Streep - dependem muito mais daquilo que lhes é oferecido e quando você encontra uma jovem como Anne Hathaway dizendo que tem encontrado dificuldades de achar papéis interessantes na sua idade é porque as coisas andam mesmo complicadas -, mas já está na hora de Kidman dizer alguns "nãos" para alguns "abacaxis" como esse. 



Grace of Monaco, 2014. Dir.: Olvier Dahan. Roteiro: Arash Amel. Elenco: Nicole Kidman, Tim Roth, Frank Langella, Paz Vega, Parker Posey, Milo Ventimiglia, Geraldine Somerville, Jeanne Balibar, Roger Ashton-Griffiths, Derek Jacobi, André Penvern, Robert Lindsay. Playarte, 103 min

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