A produção nacional parece mesmo ter deixado um pouco de lado a violência das favelas que dominou os títulos da década passada para se interessar pelos confrontos cotidianos entre as classes sociais. Fantasmas da classe média, as relações entre patrões e empregados, assim como a ascensão social de uma classe anteriormente desfavorecida e a decadência da antiga elite são temas de filmes como O Som ao Redor, o documentário Doméstica e o recente Casa Grande, longas importantes para esse cinema brasileiro que se constrói nesta década. Que horas ela volta? de Anna Muylaert é dessa mesma "escola temática". A diferença é que o longa da diretora de Durval Discos e É Proibido Fumar conta com uma atriz que faz toda a diferença no resultado da obra e o tom crítico surge em meio a uma certa leveza. A atriz em questão é Regina Casé, que é sempre muito interessante na tela. Que horas ela volta? conta a história de Val (Casé), uma empregada doméstica nordestina que trabalha há anos na casa de uma família paulistana. A relação entre Val e seus patrões muda quando sua filha Jéssica (Camila Márdila), que ela não vê há dez anos, vai morar com ela em São Paulo para prestar vestibular. Em seu filme, Muylaert trata dessa complicada relação entre patrões e empregados, marcada por muita intimidade e laços afetivos muito fortes, mas também pela distância e pela desigualdade. Esta crítica está presente na obra de Muylaert e é muito bem conduzida pela realizadora, ainda que não traga nada que já não tenhamos visto em outros longas. O diferencial de Que horas ela volta? é mesmo a interpretação de Regina Casé que faz de Val uma figura muito querida e humana, uma personagem que nas mãos da atriz ganha camadas e densidade, mas sem se tornar excessivamente pesada. Ao lado de Regina está a maravilhosa Camila Márdila, intérprete de Jéssica, personagem que acaba estabelecendo um confronto de gerações interessante com a protagonista do filme que evidencia as transformações sociais que o país viveu. Que horas ela volta? é a repetição de conclusões que já vimos em outros lugares, mas é tão agradável pela sua sensibilidade e simplicidade que dispensa qualquer "busca incessante" por ineditismos ou originalidade que plateias mais birrentas possam ter. É um filme de uma forte posição política frente a uma realidade do nosso país, mas emocionalmente engajado. Agradável de se assistir e pertinente.
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