Quarto longa-metragem de ficção da carreira de Liv Ullmann, Miss Julie é uma adaptação da peça homônima do sueco August Strindberg. Naturalista em sua essência (uma escola literária ainda mais radical e incisiva que o Realismo), Miss Julie conta a história de uma jovem aristocrata inglesa que passa a estabelecer jogos de sedução com o valete do seu pai, uma relação doentia que é testemunhada pela empregada da mansão. A trajetória dos dois começa a tomar rumos desenfreados a partir de revelações em torno de amores de infância frustrados e fantasias sexuais reprimidas. Ullmann conduz muito bem os seus atores com desempenhos igualmente formidáveis de Jessica Chastain, Colin Farrell e Samantha Morton. A obra original e esta adaptação possuem tantas camadas que é possível fazer uma lista exaustiva dos elementos sociais que ela intenta criticar. Dois dos mais marcantes seriam o ideário do amor romântico ingenuamente cultivado pelas mulheres das classes mais altas e a contraposição entre a subalternidade de uma classe social diante de uma submissão que, a depender das circunstâncias, pode ser ainda mais forte, a de gênero. Ainda que tenha momentos inspiradíssimos de apurada linguagem audiovisual, o longa de Liv Ullmann, reafirmando a origem de sua história, é excessivamente teatral, literário, marcado pela verborragia. Porém, ao invés destas características soarem deslocadas, uma vez que estamos tratando de cinema e não de literatura ou teatro, elas surgem aqui como uma decisão certeira da realizadora, sublinhando as intenções e a escola narrativa de sua trama, localizando-a no tempo e em suas pretensões, ao invés de escamoteá-la em camadas e mais camadas de esteticismos visuais exibicionistas. Muitas das críticas de Miss Julie caem como uma luva na sociedade atual, nas relações atuais, prova de que, com todas as mudanças que operam nesse mundo, a pertinência temática não é privilégio do contemporâneo.
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