Os rumos da carreira de Jake Gyllenhaal tem sido bem interessantes. O ator poderia se acomodar na alcunha de galã da nova geração que lhe foi proposta logo após O Segredo de Brokeback Mountain e confirmada em filmes como Amor e Outras Drogas. No entanto, Gyllenhaal preferiu se jogar de cabeça em projetos ousados e que lhe impuseram desafios dramáticos severos, é o caso do detetive Loki de Os Suspeitos, o policial Brian Taylor de Marcados para Morrer e, mais recente, os sósias Adam e Anthony de O Homem Duplicado. Talvez, o cinegrafista Lou Bloom seja o momento mais maduro dessa fase da carreira do ator. Gyllenhaal não mede esforços na compreensão de um homem eticamente questionável com severos danos psicológicos, trata-se de um tour de force sustentado por uma consciente direção do experiente roteirista Dan Gilroy que tem lhe rendido algumas indicações a prêmios e cujo próximo passo promete ser o retorno do ator ao Oscar, desta vez na categoria melhor ator.
O Abutre traz a história de Lou Bloom um jovem desempregado que se vira como pode para conseguir se sustentar, até mesmo voltar-se para atividades ilegais como invasão e assalto de propriedades privadas. Um dia, Bloom vislumbra uma forma rentável de ganhar a vida. Após um acidente em uma rua de Los Angeles, ele observa um grupo de cinegrafistas filmando a vítima para vender esse material a uma emissora local. Logo, Bloom se aventura na atividade e descobre um talento nato para o ramo, além de entender que aquilo é um negócio altamente lucrativo e, para ele, fascinante.
O Abutre pode não ter grandes saltos em sua trama, não promover nenhuma grande transformação no seu personagem ou mesmo que não dizer nada do que ainda não tenha sido dito sobre o universo do "jornalismo" sensacionalista, contudo, a forma que o diretor e roteirista Dan Gilroy encontrou para fazer sua crítica a esse tema é fascinante. Através do seu protagonista, Gilroy acompanha o mergulho sem perspectiva de retorno à Terra de um grupo de pessoas tragadas pelas facilidades desse tipo de abordagem "jornalística" e pela própria rotina dos meios. Pode parecer reducionista para o próprio filme, mas não é pequeno o número de colegas de profissão que são enredados nesse universo onde a ética é elástica e apenas um acessório indesejado. Claro que Lou Bloom é um homem visivelmente desarranjado psicologicamente, mas a maneira como ele se descobre nesse "ramo" e as razões pelas quais seu perfil se encaixa na atividade são dados certeiros de um tipo específico de profissional, guardada as devidas proporções. Outros personagens e suas respectivas dinâmicas dão contornos mais interessantes a esse retrato, como a diretora de jornalismo da emissora para a qual Bloom vende seu material, Nina Romina, vivida por Rene Russo.
Sobre o desempenho de Gyllenhaal, ele é o grande protagonista desta fita e não de uma forma exibicionista ou extravagante. O ator constroi um tipo que exige dele a confecção de um sujeito singular, mas Jake é tão inteligente em suas escolhas e no caminho que traça para tanto que jamais cai na zona do caricato, do tipo. Bloom é um personagem interessante por trazer, através do desempenho do ator, um certo grau de insegurança para o espectador, que oscila entre a certeza e a incerteza sobre os próximos passos daquele sujeito, afinal, a ética não é o seu forte.
Conduzido por um diretor que sabe bem o limite entre a correta aplicação da linguagem cinematográfica e o exibicionismo, O Abutre traz essa performance memorável de um jovem ator que chamou a atenção dos cinéfilos no início da década passada com Donnie Darko e que parecia ir por um caminho nada aconselhável, ou, pelo menos, artisticamente pobre, com filmes irrelevantes como Príncipe da Pérsia, O Amor e Outras Drogas e O Dia depois de Amanhã, mas que amadureceu espantosamente bem como profissional. E ainda tem muito mais a oferecer.
COMENTÁRIOS