Em algum lugar entre o existencialismo de 2001 – Uma Odisseia no Espaço e a simplicidade de Gravidade encontra-se Interestelar,
novo filme de Christopher Nolan. E esse lugar intermediário não é uma
qualidade do filme não, muito pelo contrário, revela uma indefinição,
uma ausência de organização e de norte do realizador com o seu próprio
projeto. Nolan pretende em Interestelar fazer uma ficção
científica com teorias e conceitos fincados na Física, mas ao mesmo
tempo quer ser filosófico e emotivo, uma característica presente com
timidez nos seus filmes anteriores e que claramente demonstra sua falta
de traquejo com a questão mas que aqui surge como a força motriz de sua
narrativa. No final, não consegue satisfazer a nenhuma dessas suas
pretensões e deixa seu projeto à deriva, como um filme apenas promissor
em sua premissa.
Interestelar traz como cenário uma Terra sem esperanças.
Cooper, personagem de Matthew McConaughey, é um antigo astronauta, hoje
fazendeiro, que se preocupa com o futuro dos seus dois filhos nesse
planeta sem a menor perspectiva de vida no futuro. Ele então recebe uma
oferta para ir ao espaço junto com um grupo de astronautas e buscar
alternativas em outros sistemas. A viagem de Cooper o afasta de seus
filhos, mas ele deixa a promessa de retornar para buscá-los um dia e
proporcionar a eles uma perspectiva melhor.
Estruturalmente, Interestelar é dividido em três atos, com
diferenças abismais de qualidade em cada um deles. O primeiro nos
apresenta Cooper, sua família e nos contextualiza sobre essa realidade
distópica que Nolan quer oferecer ao público. Nele, tudo é muito
disperso, confuso, os didatismos costumeiros do diretor (explicar tudo o
que acontece através de diálogos e somente diálogos) irritam e soam
artificiais, como se cada um dos personagens estivesse sempre
apresentando o resultado de uma tese em um congresso. No segundo momento
do longa, o mais interessante e inspirado de Interestelar,
acompanhamos a expedição de McConaughey e cia., existe ritmo e a gente,
progressivamente, começa a entender onde o Nolan pretende chegar, a
gente compreende a ordem de preocupações dos personagens. No entanto,
quando chegamos no desfecho do filme, o realizador parece perder a mão e
une o seu didatismo ao teor emotivo do projeto, culminando em uma cena
absurda na qual a personagem de Anne Hathaway tenta explicar
racionalmente (!!!!!!!) o amor, sem falar no desfecho insatisfatório e
mal amarrado.
Não é que Nolan não consiga cumprir o desafio de realizar uma obra
mais emocional que o costume, mas é que como ele tende a ser um
realizador que preza pela engenharia de um roteiro apoiado nas palavras e
na construção de uma trama engenhosa calcada em conceitos por vezes
complexos, acaba por teorizar e complicar sentimentos que talvez sejam
simples demais e não necessitem de um reforço através da verbalização
como faz aqui. Há interpretações dedicadas e delicadas, sobretudo do
trio central formado por McConaughey, Hathaway e Jessica Chastain, mas
Nolan faz questão de se complicar, de se perder em distrações e
armadilhas que ele mesmo cria para a sua própria história. Enfim, ele se
auto-sabota.
Nolan que sempre foi conhecido pela máxima “In Nolan We Trust!”, que
evidencia o culto exacerbado ao cineasta pelas gerações mais novas, como
se ele fosse uma força super-humana, incapaz de errar, tem seu primeiro
projeto relativamente questionável depois de Insônia, com Robin Williams, Al Pacino e Hilary Swank. Interestelar é
a prova de que Nolan é humano e de que pode se equivocar sim e não há
demérito algum nisso, só o engrandece. Bobagem o público não assumir os
vacilos de Interestelar como se admitir as falhas fosse de
alguma forma desmerecer um cineasta tão interessante e pertinente como
ele. Não dá para esquecer que Christopher Nolan é o homem responsável
por projetos que contorceram nosso cerébro e nos desafiaram
intelecutualmente como Amnésia ou A Origem, nem dá
para esquecer que ele foi o responsável definitivo por conferir
maturidade ao universo subestimado dos quadrinhos no cinema com a
trilogia O Cavaleiro das Trevas. Interestelar é um
ponto desviante, não dá para negar, outros cineastas, melhores e mais
experientes que o Nolan, já cometeram seus deslizes. Da próxima, quem
sabe, ele retorna ao seu prumo?
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