Talvez um dos aspectos que devemos mais ter inveja dos argentinos é a
capacidade que a sua indústria cinematográfica tem de fazer filmes
populares que não soem pobres ou rasos. Relatos Selvagens é uma
grande prova desse mérito. O longa de Damián Szifrón é uma comédia de
humor negro, pertinente e coerente do início ao fim,
cinematograficamente interessante e acessível a todo tipo de público.
Dividido em alguns segmentos, Szifrón oferece ao espectador algumas
histórias curtas protagonizadas por sujeitos que estão às voltas com a
vingança. É a garçonete de um restaurante de beira de estrada que
encontra o algoz do seu pai, o cidadão comum revoltado com a exploração
das instituições públicas, a sociedade clamando a justiça para o
desfecho de um assassinato brutal e uma mulher que descobre uma traição
do noivo no dia do casamento.
Szifrón, que também escreve o excelente roteiro, faz questão de
deixar todas as suas tramas entre a familiaridade e o completo absurdo,
uma espécie de catarse que, de uma certa forma, encontra eco nos nossos
mais profundos e instintivos desejos de justiça. A ideia, como o próprio
realizador sugere nos seus créditos de abertura com imagens de animais,
é nos aproximar dos nossos instintos mais primitivos. O grande achado
do trabalho do realizador argentino é explorar um humor, que não é
sofisticado, tampouco escrachado ou óbvio, mas reconhecível, irônico e
até patético. Por situar-se nesse limite, Relatos Selvagens consegue
ser universal e apurado no seu tratamento narrativo, sempre
surpreendendo a plateia pelos ganchos e reviravoltas das suas tramas.
Além disso, o filme beneficia-se pelo fato de que, sendo um filme de
segmentos que não apresentam uma conexão, a não ser a sua temática, não
há uma história que seja melhor que a outra, todas são igualmente
conduzidas com muita perspicácia por Szifrón, o que é raro nesse
formato. Não há também um desempenho singular que se destaque, todos os
atores estão muito bem. Tem a noiva em estado de nervos vivida por Erica
Rivas, o cidadão de bem azarado do sempre competente Ricardo Darín e a
deliciosa e assustadoramente fria cozinheira interpretada por Rita
Cortese, só para citar alguns.
Sem pretensão alguma de fazer um filme “cabeça” e deixando claro que
quer fazer uma obra reconhecível e passível de ser consumida por todos
os tipos de público, Damián Szifrón realiza um filme ácido, consciente
da linguagem cinematográfica e inteligente, repleto de personagens e
histórias interessantes. Relatos Selvagens está na temperatura
perfeita do cinema contemporâneo, um cinema que se propõe fugir das
tentativas de enquadramento como entretenimento ou arte que são impostas
de maneira cafona pela indústria e pela elite intelectual.
COMENTÁRIOS