Quando Garota Exenplar tem início a primeira imagem que
surge é a de Amy Dunne (Rosamund Pike) deitada no peito de Nick (Ben
Affleck), seu marido. Ele acaricia seu cabelo e, através de uma
narração, confessa ao espectador desejar entrar na cabeça da esposa,
desvendar a sua natureza, os seus mistérios. Ao encerrar o seu mais novo
filme, David Fincher retorna ao mesmo ritual do casal. Nick acaricia
Amy, mas o olhar dela definitivamente não é o mesmo do começo do filme. A
doce, frágil e carente Amy cede seu lugar para uma outra mulher. Como
isso acontece, ou melhor, qual a razão de acontecer é o que persegue o
espectador durante toda a projeção de Garota Exemplar, que conduz o cineasta David Fincher ao seu habitat cinematográfico, o suspense.
Baseado no best-seller homônimo de Gillian Flynn, Garota Exemplar tem
como fio condutor da sua trama o desaparecimento de Amy Dunne. A jovem
escritora some de sua casa, onde vive com o marido Nick no Missouri, sem
deixar vestígios. Logo a polícia local começa a encontrar evidências de
que o casamento da moça não era tão perfeito quanto se pensava e que o
responsável pelo sumiço de Dunne pode ser o seu marido.
Revelar mais do que isso sobre Garota Exemplar seria
comprometer a experiência do leitor. Seguindo a tradição do gênero, o
longa de David Fincher é o tipo de filme cujos segredos devem ser
desvendados pelo público no mesmo momento em que seus personagens
conhecem a verdade dos fatos. Durante toda a projeção, Fincher conduz o
espectador a uma série de pistas falsas e desconstrói pré-concepções que
venhamos ter sobre Amy ou Nick, quebrando a expectativa de todos
repetidamente. O êxito dessa condução não é nada que já não tenhamos
visto o diretor fazer em suspenses como Seven ou Os Homens que não Amavam as Mulheres.
No entanto, vinculações do filme a um gênero à parte, com regras e
“jogos” bem definidos e executados, Fincher usa a trama para abordar um
“lado B” das relações amorosas, àquele ocultado por Hollywood, quando o happy end
vira um ciclo vicioso de dissimulações e aparências, quando você já não
conhece mais quem dorme ao seu lado. Quando o realizador, com o suporte
espetacular do roteiro da própria Gillian Flynn, vai além da sua
vocação – a de realizador de thrillers, suspenses -, o filme ganha contornos e leituras ainda mais interessantes e se destaca na sua filmografia.
Para cumprir sua meta, Garota Exemplar conta com Ben Affleck
como Nick e, mais uma vez, o ator comprova que apostar em papéis que
exigem dele apenas o que está ao alcance das suas habilidades dramáticas
parece ser um melhor caminho do que se arriscar demais. Affleck se dá
bem com homens passivos ou que vivem momentos de apatia, como foi o caso
dos seus personagens em Argo ou Atração Perigosa. O Nick de Garota Exemplar segue
a mesma linha e o ator não compromete o longa com esforços vãos, como
os que já fez em alguns filmes no passado. Contudo, não há como negar
que o projeto tem dona: Rosamund Pike. Repito, para não estragar a
experiência do leitor, pouco da personagem será revelado por esse texto.
O que pode ser adiantado é que Amy é cheia de camadas e exige da atriz
uma versatilidade que talvez ainda não tinha sido colocada a prova no
cinema, ainda que suas participações em filmes como A Minha Versão do Amor e Revolução em Dagenham tenham o seu valor e sejam prova do talento da inglesa. Pike surge em Garota Exemplar como uma daquelas loiras frias e distantes dos filmes de Hitchcock, porém com altas doses de… Bom, é melhor parar por aqui.
David Fincher é um realizador vibrante inclinado a filmes sombrios,
protagonizados por sujeitos pragmáticos ou doentios. Além disso, toda a
sua filmografia é formada por obras aplicadas tecnicamente. É o caso de Seven, Clube da Luta, Os Homens que não Amavam as Mulheres, A Rede Social e Zodíaco . Garota Exemplar não
nega a sua filiação, localiza-se nesse grupo de filmes típicos do
diretor cujas marcas são reconhecíveis desde os primeiros segundos. A
essa fórmula, que não cansamos de apreciar, é adicionada ainda a
“revelação” de uma atriz no melhor momento da sua carreira. No final das
contas, temos um filme que, ainda que dure cerca de duas horas e meia,
compensa o espectador a cada reviravolta, a cada lance de olhar, nosso,
dos personagens e do diretor.
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