De 2001 a 2011, o público acompanhou o crescimento dos atores da saga Harry Potter testemunhando
a cada filme o amadurecimento dos ingleses Daniel Radcliffe, Emma
Watson e Rupert Grint. No entanto, ainda que tenha sido uma experiência
gratificante e única, muitos elementos da trama disputavam a atenção do
público e competiam com as reflexões que a franquia trouxe sobre o
amadurecimento de um jovem. Natural, querendo ou não, Harry Potter é um blockbuster e ele foi coerente por atender às suas demandas. A experiência de Richard Linklater em Boyhood – Da Infância à Juventude é
completamente diferente, mas “bebe” de uma fonte parecida, talvez algo
mais próximo do que o próprio diretor fez na trilogia iniciada por Antes do Amanhecer. Aqui, diferente do que acontecia em Harry Potter,
o propósito final é justamente esse, voltar seus olhos para o
amadurecimento de um garoto comum e as reflexões que os diversos ritos
de passagem impõem sobre o futuro, a trajetória dos nossos pais e sobre a
forma como conduzimos a nossa vida até então. Nada de universo
fantástico, grandes poderes ou grandes feitos. Nada de grandes metáforas
ou elucubrações visuais. Como costuma fazer com uma certa frequência em
sua filmografia, Linklater lida com o cotidiano e através disso
pretende estabelecer pontes que ligam o espectador com as vidas de cada
um dos personagens que habitam a tela.
Em Boyhood – Da Infância à Juventude o diretor e roteirista
acompanha o crescimento de Mason, o filho mais novo de pais separados.
Entre a inconstância de sua mãe, que muda de cidade, emprego e marido
com uma certa frequência no intuito de buscar uma vida melhor e
referências familiares sólidas para Mason e sua irmã, e os finais de
semana com o seu esforçado, divertido e sonhador pai, o garoto molda o
seu caráter, a sua ordem de preocupações com o futuro e as suas relações
afetivas. Através do crescimento desse menino, que é vivido em “tempo
real” pelo mesmo ator, Ellar Coltrane (os outros personagens também são
interpretados pelos mesmos atores ao longo de doze anos), Linklater
constrói um simples porém profundo olhar sobre a própria vida
indagando-se: Como crescemos? O que é determinante para a nossa
formação? Como nossos pais acompanham esse processo e o que eles se
tornam ao final disso?
Richard Linklater trabalha com a banalidade em Boyhood – Da Infância à Juventude. Não
existe nada de extraordinário na vida daquela família, tampouco na
trajetória e nos dilemas do seu protagonista Mason (Ellar Coltrane). É
nessa familiaridade, nessa falta de singularidade, que reside o
interesse no longa. De uma forma ou de outra, o filme é o relato de vida
de cada um de nós, da forma como lidamos com as expectativas em torno
das nossas vidas. O que fazemos com as nossas frustrações? Cedemos às
imposições do cotidiano ou encaramos nossos desejos? E nossos pais? Não
passam de extensões de nós mesmos, para Linklater, tentam fazer o melhor
que podem mas são tão inseguros quanto a gente e, por vezes, estão mais
aprisionados do que nós, afinal têm filhos e assumem uma carga de
responsabilidade completa e indelegável sobre as suas formações,
principalmente as mães, que, na falta de uma figura masculina presente
no dia-a-dia, acabam “trabalhando por dois”. No fim das contas, ainda
que atabalhoadamente (porque são tão humanas quanto nós), fazem o seu
melhor.
Não existe nenhum arrojo técnico em Boyhood, Linklater
confia seu filme completamente aos seus atores. Acompanhar os doze anos
de Ellar Coltrane, que de certa maneira se funde com o amadurecimento do
seu personagem Mason, é uma experiência interessante. Da mesma forma
que vemos crescer Lorelei Linklater, filha do diretor e intérprete da
irmã do protagonista. Acompanhamos os dois desde os seus espontâneos
desempenhos quando mais novos, até se firmarem como atores de fato,
lidando com dilemas ainda mais complexos na juventude de Mason e sua
irmã. O mesmo pode ser aplicado aos atores que vivem os pais, Ethan
Hawke, constante parceiro do realizador, e Patricia Arquette, uma das
performances mais emocionantes do filme e que tem tudo para lhe render
uma indicação ao Oscar (aliás, esse filme é sério candidato em diversas
categorias). Hawke personifica a figura do pai que tenta suprir a
ausência cotidiana mantendo uma relação franca e despojada com seus
filhos. No outro lado temos a mãe vivida por uma Patricia Arquette, que
simplesmente brilha durante toda a projeção ao apresentar-se como uma
presença feminina forte e empenhada em funções sobre humanas. Arquette
protagoniza uma das cenas mais memoráveis do longa na qual sua
personagem sintetiza a sina da maternidade, esquecer de si mesma ao
dedicar uma vida inteira a terceiros (os filhos). Não existe nada mais
empático do que isso.
As pessoas costumam nos dizer para aproveitarmos os momentos, não
deixarmos passar as oportunidades diante dos nossos olhos, não perdermos
tempo com coisas que talvez não nos trouxesse a segurança que a idade
adulta requer. Ao final de Boyhood uma das personagens do filme
diz a Mason que as coisas não deveriam ser dessa forma, enfim, está
tudo de cabeça para baixo e é essa a sensação que surge latente na
adolescência e aparece como um fantasma na maturidade. Diz essa
personagem que ao invés de termos que aproveitar o momento é o momento
que deveria nos aproveitar, aproveitar nossas potencialidades, nossas
singularidades. Boyhood pode até ser uma das realizações mais
intensas do cinema norte-americano atual, é prematuro afirmar isso
cabalmente. O filme é realçado por notícias sobre o seu processo de
produção que é indubitavelmente fascinante e traz um efeito interessante
para o espectador. No entanto, o fato de ter sido filmado em doze anos
acaba colocando-se a frente da própria obra, como um selo que por si só
garante a sua qualidade. No fundo, esse longa de Richard Linklater não é
especial por essa razão – ou melhor, também -, mas por falar de maneira
tão simples e sensível sobre questões que nos tocam e nos acompanham
por toda uma vida, isso sim é uma virtude de Boyhood.
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