Era uma vez em Nova York é o tipo de projeto que já nasce
com grandes chances de dar certo. O filme tem um excelente diretor, o
pouco reconhecido James Gray, mas que dirigiu filmes cultuados por
instâncias da crítica como Amantes e Os Donos da Noite e
aqui, assim como fez no primeiro longa citado, assina o roteiro com Ric
Menello. Além disso, o longa conta com o elenco dosado pela
sensibilidade de Marion Cotillard e pela entrega de Joaquin Phoenix.
Para completar, uma equipe competente formada, entre outros, pelo
diretor de fotografia Darius Khondji (Seven) e pela figurinista Patricia Norris (12 Anos de Escravidão),
que fazem uma reconstituição de época apurada, com escolhas que não só
nos leva a uma viagem no tempo, mas também dialogam com as emoções dos
personagens e com os caminhos que o realizador pretende percorrer na
história. No entanto, ao contrário do que vinha acontecendo na carreira
de Gray até então - como já sinalizado, apesar do aval da crítica, a
carreira do diretor parecia permanecer em alguma zona desconhecida do
grande público -, a morna recepção a Era uma vez em Nova York parece ser justa. Não se trata do melhor exemplar da carreira do seu realizador.
Nova
York, 1921. Ewa (Cotillard) é uma polonesa recém chegada que é afastada
da irmã pois esta contraiu uma doença pulmonar durante a viagem e, por
motivos de segurança, teve que ser isolada em quarentena. A vinda de Ewa
para os EUA é obstacularizada ainda por suspeitas de que ela seja uma
mulher de "vida fácil". A polonesa é salva por Bruno Weiss (Phoenix) que
consegue a liberação dela no país. Contudo, para permanecer em Nova
York e vislumbrar a possibilidade de se reencontrar com sua irmã, Ewa
terá que trabalhar para Bruno como cortesã junto ao grupo que ele
agencia nos becos da cidade. O destino de Ewa se transforma quando ela
conhece Orlando (Jeremy Renner), um jovem mágico que se apresenta na
casa de shows onde Bruno leva suas garotas. Logo, Bruno e Orlando
disputam Ewa, que fica dividida entre a possibilidade de libertar-se
daquela vida e a oportunidade de ver novamente Magda, sua irmã doente.
O que mais impressiona em Era uma vez em Nova York é como
James Gray se perde nas armadilhas do melodrama de tal maneira que chega
um momento do filme em que ele passa a sensação para o espectador de
que não sabe resolver sua trama e de que não tem segurança sobre a
natureza ou sobre as transformações dos seus personagens. Na dúvida, o
cineasta recorre ao clichê da "moça sofrida" e joga toda a
responsabilidade do filme nos colos de Marion Cotillard, que a despeito
da tentativa de construir um personagem minimamente multidimensional (e
ela tenta ao retratar Ewa como uma mulher simples e, por vezes,
submissa), acaba "caindo" em armadilhas que a tornam aborrecida.
Gray
até que se redime na sua cena final e consegue, com um duelo entre
Joaquin Phoenix e a própria Cotillard, conferir uma certa substância a
sua história, mas até chegar a esse momento, o realizador se perde tanto
e arrasta tanto a sua trama que o desfecho acaba se tornando um insight tardio.
Entre os esforços de Marion Cotillard e Joaquin Phoenix (louváveis),
está um Jeremy Renner completamente dispensável, cujo personagem não diz
a que veio. Como já mencionado no parágrafo de abertura, o longa vence
pelo seu rigor estético, técnico, mas carece de um rumo mais
consistente.
Curioso notar que um diretor que fez um dos filmes mais maduros e
realistas sobre os relacionamentos amorosos do cinema contemporâneo, Amantes,
evitando por completo o sentimentalismo, mas não abandonando a
sensibilidade, tenha sido seduzido pelas teias de um melodrama mal feito
em Era uma vez em Nova York. Talvez não seja um terreno para
James Gray, talvez ele tenha que retornar a seus dramas policiais
familiares ou a simplicidade dos relacionamentos humanos... Com esse
filme, a sensação que fica é de que a responsabilidade de atender a
tantas demandas - demandas essas que talvez nem ele mesmo esperava - o
levou a um labirinto sem saída.
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