Ambientado em um universo diferente, Só Deus Perdoa mantém alguns traços do último trabalho do diretor Nicolas Winding Refn, Drive, que
o consagrou com o prêmio de melhor diretor em Cannes no ano de 2011.
Refn parece interessado em fazer experiência com gêneros
cinematográficos e toda a sua trama é calcada na sede de vingança dos
seus personagens. É o “olho por olho, dente por dente”, todos eles têm
contas a acertar e parece não sobrar pedra sobre pedra no final da
história. No entanto, as semelhanças param por aqui. Só Deus Perdoa, que
por enquanto só teve os seus direitos de exibição adquiridos para a TV a
cabo no Brasil (nada de distribuidora no cinema ou no mercado
doméstico), tem muito menos viço do que a empreitada anterior do
realizador.
Toda a narrativa de Só Deus Perdoa se passa em Bangkok e
acompanha a jornada de Julian, papel de Ryan Gosling, na tentativa de
honrar o nome da sua família. O irmão mais velho de Julian foi
assassinado após estuprar e matar uma jovem prostituta. A mãe do rapaz e
chefe de uma organização criminosa articulada em Bangkok dá ordens
expressas ao seu grupo e a Julian: eles devem procurar o assassino do
seu primogênito e o matar com requintes de crueldade. A partir dai a
rivalidade interna e externa do grupo começa a desencadear um rastro de
sangue que parece não ter fim. Ao mesmo tempo, Julian tem que lidar com
um conflito interno antigo, a mágoa e o sentimento de rejeição que tem
do relacionamento com sua mãe.
Se Drive flertava com o western e buscava referências oitentistas, Só Deus Perdoa dialoga com o cinema oriental e com os filmes de gângsters. Refn apresenta algumas abordagens interessantes, como acontecia em Drive,
na tentativa de fazer algumas leituras pessoais sobre os gêneros, mas
cai em uma excessiva e escancarada auto-apreciação. Durante todo o longa
a sensação que se tem sobre Refn é que ele está contemplando a si
próprio e suas habilidades e inventividades cinematográficas, fazendo
reverência a cada segundo por um “insight” qualquer que tenha ao longo de Só Deus Perdoa, o que torna o filme emperrado. Esteticamente, Só Deus Perdoa é
impecável. Desde a direção de arte que valorizou as referências
orientais, passando pela fotografia que prioriza o lugar das cores e da
luz, não há o que se questionar sobre o longa nesses departamentos. O
empenho de Refn e sua equipe é louvável nesse sentido, mas o êxito
localizado não ameniza um dos maiores defeitos da obra que é o de olhar
para o próprio umbigo. A todo momento temos a impressão de que Refn está
gritando pela atenção e reconhecimento a qualquer feito técnico, o
mínimo que seja. Tudo isso torna a “viagem” em Só Deus Perdoa enfadonha e ausente de propósito.
Ryan Gosling faz um tipo muito parecido com o que interpretou em Drive.
Julian surge em cena cansado (parece levar o peso de uma vida),
entediado, calado e, ao mesmo tempo, capaz de cometer atrocidades. No
entanto, Refn prefere manter o personagem no subtexto e a interpretação
de Ryan Gosling, como aconteceu em outros momentos com essa mesma
orientação porém com resultados melhores (Tudo pelo Poder e o próprio Drive),
não funciona, parece faltar alguma peça na engrenagem e Julian tem
menos camadas do que sugere o filme. Kristin Scott Thomas, por sua vez, é
a força motriz desse longa, a sua melhor “peça”. Como uma grande chefe
do tráfico, a personagem é interpretada por Thomas como uma daquelas
mulheres dominadoras, implacável com sua cria e fria com o sentimento
alheio. A atriz está soberba no papel e é sempre motivo para manter o
espectador fiel ao longa, aguardando os seus próximos passos, sempre
imprevisíveis.
Só Deus Perdoa acaba sendo uma jornada auto-centrada de Nicolas Winding Refn após o interessante Drive. O
novo longa do diretor é uma embalagem ornada de belíssimos atrativos,
mas ausente de um conteúdo que dê sentido a sua própria existência.
Talvez da próxima vez, Refn se redima de um trabalho como esse e volte a
nos surpreender. Com Só Deus Perdoa ele só conseguiu a indiferença.
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