Wes Anderson é um perfeccionista. Cuida milimetricamente de cada
detalhe do seu filme como um artesão, com o esmero de um pintor diante
da sua tela. Esse rigor estético do cineasta proporciona aos seus
trabalhos reações e impressões conflitantes. Por um lado é um diretor
com obras cujas marcas são instantaneamente identificáveis, um dos
poucos realizadores autorais contemporâneos nos EUA, com universos e
narrativas próprias. Contudo, esse esmero acaba proporcionando,
ocasionalmente, experiências frias que colocam aspectos técnicos acima
da sua própria história. Talvez o diretor tenha encontrado a harmonia
entre assinatura e trama em Moonrise Kingdom, filme no qual o
rigor e as opções estéticas do diretor se justificaram pela história do
primeiro amor e pela perspectiva infantil sobre o mundo dos adultos. Seu
novo filme, O Grande Hotel Budapeste segue a trilha dos seus filmes anteriores. Não é certeiro como Moonrise Kingdom, mas é um trabalho executado no mais elevado nível pelo realizador.
No período entre-guerras, o gerente de um grande hotel na Europa, o
Grande Hotel Budapeste, acaba criando um vínculo com seu novo empregado,
um jovem que fica no lobby para ajudar os hóspedes. Os dois tornam-se
grandes amigos e envolvem-se em uma trama misteriosa sobre o assassinato
de uma milionária que se hospedou no hotel e mantinha um relacionamento
amoroso com o gerente. A situação se complica quando o testamento da
falecida é aberto e sua família descobre que ela deixou um dos quadros
da sua coleção para o seu amante, o gerente do hotel. Logo, ele se torna
o alvo principal da família gananciosa da mulher e de um assassino
profissional.
Como de praxe, todas as características dos filmes de Wes Anderson estão presentes em O Grande Hotel Budapeste (e se você ainda não assistiu filmes como Os Excêntricos Tennenbaums, A Vida Marinha com Steve Zissou, Viagem a Darjeeling e Moonrise Kingdom,
só para citar os mais recentes, corra para ver um deles e se
familiarizar com o universo e com a proposta do diretor): toda a trama
segue em tom cartunesco, diálogos e personagens estranhos, as cores são
vibrantes, a narrativa flerta com a perspectiva infantil e com a
linguagem teatral… Enfim, tudo que conhecemos e que ele não abre mão
(certo está ele) está lá com os mesmos prós e contras que são usuais em
sua filmografia, a exceção de Moonrise Kingdom, que, como já
dito, é a união perfeita entre o estilo do diretor e sua trama já que é
uma história contada do ponto de vista infantil sobre o primeiro amor,
como já mencionamos. Aqui, Anderson conta uma trama de suspense
envolvendo assassinatos e roubos de obra de arte do jeito que sabemos, o
que, se por um lado é fascinante pela sua engenhosidade e detalhismo,
por outro pode cansar e distanciar aqueles que não são muito afeitos ao
estilo do realizador, que, como já dito, tem marcas muito particulares,
ou simplesmente não gostam dele.
No elenco do longa, atores como Jude Law, F. Murray Abraham, Tom
Wilkinson, Mathieu Amalric, Lea Seydoux, Adrien Brody, Willem Dafoe,
Harvey Keitel, Jeff Goldblum, Saoirse Ronan, Edward Norton e
participações pontuais de Jason Schwartzman, Owen Wilson, Bill Murray e
Tilda Swinton (irreconhecível por trás de uma maquiagem que a envelheceu
uns bons anos para viver a milionária amante do gerente do hotel). No
entanto, o centro da narrativa está mesmo nos personagens de Ralph
Fiennes e o jovem Tony Revolori, o garoto do lobby. Revolori cai como
uma luva no papel manifestando em cada quadro o usual frescor de atores
em início de carreira. Já Fiennes é um show a parte como o Monsieur
Gustave, o gerente do hotel que mesmo envolvido em uma trama complicada
de assassinato tenta manter a tradição e o respeito a divisão de classes
do período pré-guerra. Gustave é daqueles homens que são tão imersos e
apaixonados pelo seu trabalho que mesmo fora do ambiente de laboro age,
fala e pensa como se estivesse exercendo a sua função profissional. E
Fiennes, como reza a tradição inglesa, lida muito bem com esses
elementos, evitando cair na armadilha fácil de transformar o seu
personagem em uma figura fria em cena.
Dando continuidade a uma tradição e uma gramática própria, O Grande Hotel Budapeste é
um filme de Wes Anderson e isso já diz muito sobre ele. O filme não é o
ponto alto da carreira do realizador, nem o seu ponto baixo, é mais um
exemplar com a sua peculiar assinatura que mantém a média dos seus
trabalhos anteriores. E se o diretor acaba inclinando-se mais para
certos aspectos da sua obra em detrimento de outros e apreciá-los é mais
uma questão de gosto que uma avaliação objetiva, O Grande Hotel Budapeste tem seus méritos. Manter-se
ativo por anos a fio sem flexibilizar sua assinatura por ditames da
indústria sem deixar de ser peça fundamental nela já é, por si só, uma
razão para elogiar qualquer exemplar da filmografia de Anderson.
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