Durante uma entrevista na recente edição do Festival de Cannes, o
cineasta iraniano Abbas Kiarostami afirmou que, no cinema, a inovação ou
o brilho da carreira de um realizador devem ser procuradas nos seus
primeiros filmes. A declaração do diretor tem coerência se pararmos para
pensar nos inúmeros casos de cineastas que não conseguem superar suas
primeiras obras e se, ao visitarmos a filmografia completa de certos
diretores, repararmos como seus primeiros projetos apresentam marcas
muito particulares que se repetirão ao longo das suas respectivas
carreiras. Sendo O Lobo atrás da Porta o primeiro longa de
Fernando Coimbra, podemos supor (e aqui ficamos no terreno da suposição
mesmo) que sua assinatura como realizador, e que o diferencia da
produção comercial brasileira corrente, traz consigo tramas de suspense
ambientadas no subúrbio carioca e articuladas com muita precisão através
de um excelente roteiro e do trabalho entrosado do seu elenco.
O Lobo atrás da Porta tem início quando Sylvia (Fabiula
Nascimento) vai buscar sua filha Clara na escola e descobre que uma moça
simpática de cabelo curto levou a garota. Sylvia vai a polícia e presta
depoimento sobre o sequestro junto com seu marido Bernardo (Milhem
Cortaz). Na delegacia, o caso acaba sendo vinculado a Rosa (Leandra
Leal), amante de Bernardo que há um tempo rondava a casa da família
buscando uma estranha aproximação com Sylvia. Mais que isso não vale a
pena contar já que O Lobo atrás da Porta é o tipo de
experiência cinematográfica cujos meandros da história devem ser
descobertos pelo espectador no mesmo ritmo e instante que eles vão sendo
revelados na tela.
Coimbra constrói uma trama relativamente simples, sem grandes
afetações, mas muito bem costurada, com uma ascendente tensão que
proporciona o interesse do espectador no desenrolar da história e na
descoberta da natureza de cada uma das peças dessa trama, ou seja, os
seus personagens. Ao mesmo tempo que demonstra uma habilidade de artesão
com muita precisão nos objetivos e nos caminhos que traça, Fernando
Coimbra mostra-se um diretor muito eficiente ao conseguir equilibrar o
seu próprio ego não colocando suas pretensões acima da própria obra,
oferecendo soluções técnicas elegantes para a narrativa e extraindo o
melhor de todo o seu elenco, qualidade cada vez mais rara em diretores.
Já que tocamos no trabalho do elenco, esse aspecto da produção merece um parágrafo especial. Não há um desempenho sequer de O Lobo atrás da Porta que
destoe da condução do seu realizador e que não se revele como uma
interessante composição psicológica para o espectador. Até mesmo a
desbocada suburbana interpretada por Thalita Carauta se justifica em
seus excessos, jamais soando como um ponto dissonante e incomodo na
história. Como o de Carauta há outros desempenhos soberbos e certeiros
na produção como os de Milhem Cortaz, Fabiula Nascimento, Juliano
Cazarré e, claro, sua protagonista, Leandra Leal. A jovem atriz que
acompanhamos no cinema desde A Ostra e o Vento, de Walter Lima
Jr., e que sempre foi um destaque nas telenovelas da Rede Globo, está
afiada naquele que provavelmente é um dos seus melhores trabalhos. Rosa é
uma personagem cheia de camadas, de intenções mascaradas e turvas, e a
atriz conduz toda essa combustão emocional da protagonista do longa com
muita segurança e equilíbrio.
O Lobo atrás da Porta é um daqueles filmes que conseguem lidar
com demandas tratadas como excludente por alguns daqueles que pensam o
nosso cinema. É um filme muito bem executado, atendendo a todos os
requisitos de uma obra tecnicamente e artisticamente empenhada, mas que
apresenta na condução de sua narrativa, simples e engenhosa, seu meio de
conquistar o grande público (e assim esperamos). Quanto ao diretor
Fernando Coimbra, agora que foi responsável por um filme tão intenso e
vibrante na sua estreia em longas, terá nas mãos o “abacaxi” que a
primeira obra sempre representa na carreira de um cineasta, a superação
de um grande trabalho anterior.
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