Getúlio opta por um caminho consciente e coerente para
conseguir dimensionar uma figura pública com a complexidade do
ex-presidente do Brasil Getúlio Vargas: narra um período específico da
sua vida e não toda a sua trajetória. Específico o suficiente para dar
conta de um momento determinante da sua caminhada política bem como da
sua personalidade e das suas relações de afeto. Por essa perspectiva, o
longa de João Jardim, que tem nos créditos a co-direção do documentário Lixo Extraordinário e a ficção Amor?,
merece o reconhecimento, afinal teve a percepção adequada de que é
muito mais eficiente ser profundo na especificidade do que no todo. No
entanto, a produção assume para si a irreversível polêmica que o tom de
uma narrativa sobre um personagem, sobretudo uma figura controversa como
Getúlio, que carrega legiões de defensores e opositores, pode carregar:
toma ou não toma partido? Quanto a isso, Jardim o fez atabalhoadamente,
ainda que não comprometesse por completo o seu resultado.
Getúlio narra os últimos dias da vida de Getúlio Vargas a
partir da crise instaurada em seu governo após as acusações de que o
presidente estaria envolvido na tentativa de assassinato do jornalista
Carlos Lacerda que acabou levando a falecimento o major Rubens Vaz com
um tiro na Rua Toneleiro, no Rio de Janeiro de 1954. O filme de João
Jardim acompanha o período que compreende 05 e 24 de agosto daquele ano,
sendo que o ultimo dia foi marcado pelo suicídio do presidente Vargas,
um ato que, ao mesmo tempo, representou a resistência em abandonar o
cargo que estava ocupando há anos e uma manobra política que surpreendeu
seus “conspiradores”.
Por mais que Getúlio traga toda a atmosfera dúbia que
pairava sobre o político e que o tornava um homem psicologicamente
atormentado – sua tomada de poder que fazia jus a alcunha de ditador que
recebera vivia lado a lado com sua popularidade com a classe
trabalhadora em função de conquistas trabalhistas como o salário mínimo,
a Justiça do Trabalho e a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) -, o
longa peca por induzir emoções e não por deixá-las a cargo do próprio
público, tornando evidente uma posição do cineasta sobre o seu
“biografado”, através, por exemplo, de uma trilha sonora invasiva que se
antecipa aos acontecimentos.
No geral, o resultado é um filme tecnicamente competente, mas que tem
seu sustento no elo que estabelece entre o público e seus personagens.
Tony Ramos consegue transformar Getúlio em um homem abatido e tenso cuja
única ligação afetiva que ainda lhe resta, após tantos anos se
dedicando exclusivamente ao Palácio do Catete, é com a filha Alzira, uma
interpretação minunciosa e delicada de Drica Moraes. Por sinal, a
dinâmica entre Ramos e Moraes é o ponto alto do longa, que ainda traz
Alexandre Borges relativamente interessante como Carlos Lacerda.
Apesar de ser um filme de “gabinetes” relativamente frio, Getúlio mostra-se como uma obra bem mais envolvente que outros exemplares recentes do gênero, como Lincoln,
de Steven Spielberg. O que sobra em meio a tantos fatos politicamente
questionáveis são indivíduos com motivações reais e relações afetivas
sólidas ou não. Esses compontentes trazem relevância a esse filme de
João Jardim. Ver atores como Tony Ramos e Drica Moraes em cumplicidade
transbordante na tela é recompensador de qualquer forma. Vale o
registro.
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