Alguns realizadores pensam que é fácil dirigir uma cinebiografia. Basta contar com a força de um ícone como protagonista, narrar linearmente todos seus passos, enaltecer os seus feitos, pincelar rapidamente suas falhas e pronto, o trabalho está feito. Ledo engano. Ao final da sessão de Jobs essa é a sensação que fica para boa parte do seu público, a de que o diretor Joshua Michael Stern se apoiou na força da imagem de Steve Jobs, acreditando que ela por si só bastava para fazer seu filme deslanchar, interferindo pontualmente ao longo da projeção através de clichês que já se tornaram piadas internas na comunidade cinéfila e não produzem efeito algum: as frases de efeito, os picos dramáticos do seu protagonista, a trilha sonora intrusa que tenta forçar emoções no espectador... Tudo isso está em Jobs e somam-se a um fator que leva o filme em definitivo para a vala: o péssimo desempenho, para variar (ironia), de Ashton Kutcher.
Jobs acompanha a trajetória ascendente de Steve Jobs, desde à idealização da Apple, passando pela sua saída e retorno triunfal para a companhia, tornando-a uma das mais poderosas do mundo por levar até às últimas consequências dois conceitos básicos: a inserção da tecnologia no cotidiano dos seus usuários, não sendo esta um privilégio de poucos, e a aplicação do design em seus produtos. Jobs era um perfeccionista, amava o que fazia e, por isso, era obcecado pelo seu trabalho, deixando para segundo, terceiro, quarto ou quinto plano sua vida pessoal. Esse conceito permeia Jobs desde o início, ainda que atabalhoadamente.
A condução engessada e artificial de Joshua Michael Stern, além da linearidade burocrática do roteiro de Matt Whiteley, tornam a cinebiografia um trabalho precoce sobre uma figura tão importante quanto Jobs, fruto de uma necessidade precipitada de levar para as telas, de qualquer jeito e o mais rápido que fosse, a vida do empresário após a sua morte. Aaron Sorkin, roteirista vencedor do Oscar por A Rede Social, estava idealizando um outro projeto sobre Jobs e, a julgar pelo lançamento e pela péssima repercussão desse aqui, nem sei em que pé está.
As comparações entre a estrutura narrativa pouco esforçada de Jobs e a impecável condução de A Rede Social, que abordava um universo semelhante, me vieram logo na cabeça. Inevitável. A Rede Social, de maneira impecável, fez o seu Cidadão Kane contemporâneo. O filme sobre a criação do Facebook era algo que ia além da própria criação da rede social, discutindo questões da ordem do dia, como as frágeis relações interpessoais na era da internet, os impérios da comunicação liderados por jovens gênios e a legitimidade da autoria de uma criação. Jobs não explora qualquer possibilidade temática que extrapole a figura do seu protagonista, fazendo com que, paradoxalmente, ao enfocar sua narrativa em um só homem e não no seu entorno não consiga dimensionar a importância do seu legado e das suas ideias para o mundo dentro da sua própria esfera narrativa.
As comparações entre a estrutura narrativa pouco esforçada de Jobs e a impecável condução de A Rede Social, que abordava um universo semelhante, me vieram logo na cabeça. Inevitável. A Rede Social, de maneira impecável, fez o seu Cidadão Kane contemporâneo. O filme sobre a criação do Facebook era algo que ia além da própria criação da rede social, discutindo questões da ordem do dia, como as frágeis relações interpessoais na era da internet, os impérios da comunicação liderados por jovens gênios e a legitimidade da autoria de uma criação. Jobs não explora qualquer possibilidade temática que extrapole a figura do seu protagonista, fazendo com que, paradoxalmente, ao enfocar sua narrativa em um só homem e não no seu entorno não consiga dimensionar a importância do seu legado e das suas ideias para o mundo dentro da sua própria esfera narrativa.
Como se não bastasse a enfadonha e pálida condução, o longa conta com um protagonista que sofre para conseguir retratar Steve Jobs com o mínimo de complexidade e contradição que sugere. Ashton Kutcher ainda não está preparado para algo como Jobs, que poderia até encontrar sua redenção caso contasse com uma atuação que conseguisse suprir as falhas narrativas. Kutcher oscila entre a imitação carregada do biografado, acreditando que o simples fato de andar encurvado e com passos pesados conferem qualquer tipo de credibilidade ao seu trabalho, e os momentos em que simplesmente é Ashton Kutcher, ficando difícil dizer em quais situações está mais embaraçoso. Kutcher não consegue segurar um momento dramático sequer nesse filme. A sorte do rapaz é ter como coadjuvante Josh Gad, que, em uma única cena (na qual contracena com o próprio Kutcher!), consegue ser o coração de todo o filme como Steve Wozniak, parceiro de Jobs na empreitada da Apple.
Reduzindo a narrativa a explicações técnicas sobre as invenções de Jobs (algo que sinceramente só fará diferença para quem é da área e não oferece para o espectador leigo, que tem sim o direito de assistir ao filme, uma percepção sobre os feitos do protagonista, como já dito), Jobs é uma cartilha do que há de mais constrangedor em "filmes baseados em fatos reais" ou "biografias cinematográficas". Como já dito, um projeto prematuro que caiu nas mãos erradas. Esperasse um pouco mais, parando nas mãos habilidosas de criadores como Aaron Sorkin, e, quem sabe, seu resultado fosse tão ousado quanto o próprio legado de Steve Jobs...
Jobs, 2013. Dir.: Joshua Michael Stern. Roteiro: Matt Whiteley. Elenco: Ashton Kutcher, Josh Gad, Dermot Mulroney, Lukas Haas, Matthew Modine, J.K. Simmons, Lesley Ann Warren, Ron Eldard, Ahna O'Reilly, Victor Rasuk. 128 min. Playarte.
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