Filmes de terror são produzidos em escala industrial a cada ano, mas produções como Invocação do Mal são um grão, precioso, muito precioso, na mediocridade infinita que se tornou esse que é um dos gêneros mais delicados para qualquer cineasta que se aventure por seus caminhos sinuosos. Delicado porque a probabilidade de transformar um longa de terror em um emaranhado sem fim de clichês e soluções mal encontradas é muito grande. Isso não acontece quando se encontra um roteiro inteligente, que resolve conferir corpo à narrativa com dramas e motivações fluidas para seus personagens, e uma direção sensível e disposta a oferecer abordagens interessantes e originais. Estas são as qualidades de Invocação do Mal e provavelmente um dos motivos que o tornaram um verdadeiro sucesso comercial da temporada, a prova de que nem todo filme de terror é estúpido e artificial e a de que o público ainda paga para assistir a uma boa história na tela grande.
O filme é baseado em um dos casos paranormais investigados pelo casal Ed e Lorraine Warren. Juntos, os dois resolveram inúmeras possessões e eventos sobrenaturais nos Estados Unidos, um deles, o mais emblemático, envolveu a família Perron e é contado em Invocação do Mal. A direção é de James Wan, diretor malasiano que foi responsável por outro sucesso do gênero, Sobrenatural, e que dirigiu o primeiro Jogos Mortais.
Em Invocação do Mal, Wan demonstra domínio da linguagem cinematográfica desde o início da projeção e, melhor, domínio dos artifícios do gênero. Evitando os sustos banais, Wan consegue articular movimentos de câmera originais, jogos de luzes, uso do som e da trilha sonora e uma montagem inteligente e coerente com a produção das sensações de tensão do filme. A verdade é que Wan consegue uma proeza que poucos diretores contemporâneos que se aventuraram pelo terror conseguiram, trazer para uma trama simples um nível altíssimo de urgência e empatia com as situações e emoções vividas por seus personagens. Todos eles são de carne e osso e não meras iscas para fantasmas e assassinos sanguinolentos e isso vai desde o casal de investigadores interpretado por Vera Farmiga e Patrick Wilson até a família Perron que é vítima dos fenômenos paranormais.
Dando ainda mais credibilidade ao trabalho de Wan, o elenco de Invocação do Mal é um primor, afiadíssimo. A começar pela sempre competente Farmiga, que, de tão talentosa, nem sentimos a presença de uma atriz interpretando na tela, mas sim uma personagem que, de fato, existe e se manifesta em emoções humanas e nada afetadas na tela. Como Lorraine Warren, Farmiga nos apresenta a uma mulher com convicções ideológicas e sentimentos bem sólidos, palpáveis. Seu parceiro de cena, Patrick Wilson é igualmente interessante, estabelecendo uma espécie de simbiose com a atriz, o que fortalece ainda mais a relação dos Warren aos olhos do público. Há ainda a ótima Lili Taylor como a matriarca dos Perron, carregando um fardo difícil ao seguir uma tradição no gênero, da qual é melhor não adentrarmos para não estragar a experiência.
Invocação do Mal é um respiro de inventividade e reverência ao bom filme terror, retirando o gênero da vala na qual costumou ser reduzido em função de péssimos tratamentos de roteiro e da subestimação da inteligência e da emoção das suas plateias em algumas produções feitas a toque de caixa. Com seu novo filme, James Wan dá ao terror o seu sentido basilar, o de revelar o que existe de melhor e pior na natureza humana, o de levar seus personagens ao limite e testar suas capacidades de se reconectarem com suas próprias crenças, medos e sentimentos. Que o diretor continue nesse caminho, a plateia agradece.
The Conjuring, 2013. Dir.: James Wan. Roteiro: Chad Hayes e Carey Hayes. Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Lili Taylor, Ron Livingstone, Shanley Caswell, Hayley MacFarland, Joey King, Mackenzie Foy, Kyla Deaver, Shannon Kook, John Brotherton. 112 min. Warner.
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