A Vida de Adele, Berenice Bejo, Steven Soderbergh... O que a 66ª edição do festival trouxe como perspectiva para a temporada de prêmios do cinema em 2013?
Com a interrupção dos trabalhos do blog, não deu tempo nem de comentar o resultado e fazer uma cobertura sobre a última edição do Festival de Cannes. Mas vamos tentar preencher essa lacuna entendendo o que essa edição do festival representou para o ano de 2013 e quais são as perspectivas para o grande guilty pleasure de todo e qualquer cinéfilo que se preze, a temporada de prêmios.
A começar pela escolha da Palma de Ouro de melhor filme. O francês A Vida de Adele foi o escolhido pelo júri presidido por Steven Spielberg. Seu diretor, Abdellatif Kechiche (de Vênus Negra), nascido na Tunísia, recebeu o prêmio ao lado das suas protagonistas Léa Seydoux e Adele Exarchopoulos. Trata-se da história da descoberta da sexualidade pela jovem protagonista, Adele, interpretada por Exarchopoulos, a partir de seu relacionamento com Emma, personagem de Seydoux. Com aproximadamente três horas de duração, A Vida de Adele conta o início, o meio e o fim dessa história de amor.
Como não poderia deixar de ser (tradição em Cannes), a exibição do filme foi cercada de exclamações. Desde o espanto pela duração do longa, a comparações com o último vencedor do festival (Amor, de Michael Haneke), até depoimentos escandalizados com as cenas de sexo longas e explícitas de A Vida de Adele (Léa já esclareceu a todos que tudo no filme era simulação). Em inglês (espantem-se) recebeu um título muito mais interessante que o original, Blue is the Warmest Colour, uma referência à cor do cabelo da personagem de Seydoux.
Também falou-se muito sobre o fato da escolha sugerir uma manifestação política do festival acerca de relacionamentos homoafetivos sobretudo em um período no qual a França discute o casamento gay, como posições escancaradamente contra. Mas Spielberg e seu júri foram claros na coletiva de imprensa que encerrou o festival: a escolha do grupo não teve relação alguma com manifestações declaradamente políticas, mas sim com a qualidade artística de A Vida de Adele, classificada por todos como uma história de amor, cujo gênero das partes envolvidas é o que menos importa.
Sobre as chances do filme na temporada de prêmios... O Festival de Cannes, por dois anos consecutivos (A Árvore da Vida em 2011 e Amor em 2012), premiou com a Palma de Ouro filmes que chegaram a categoria principal do Oscar, melhor filme. Difícil saber se A Vida de Adele terá fôlego para tanto, tudo depende de como será sua campanha nos EUA. É um filme de língua estrangeira que, diferente de Amor, por exemplo, não conta com um diretor já tarimbado internacionalmente. Então, fica mais complicado. Já indicações nas categorias "filme em língua estrangeira" surgem como possibilidades mais concretas. Claro que para tanto é preciso que a França eleja o longa como o seu representante oficial na disputa por indicações na categoria, e, como sempre, a disputa entre os títulos franceses está acirrada este ano.
Le Passé, em tradução livre, "O Passado", do iraniano Asghar Farhadi (de A Separação), também é um filme francês e já surge como um concorrente direto de A Vida de Adele a essa indicação. O longa saiu do Festival de Cannes com o prêmio de melhor atriz para a "franco-argentina" Bérénice Bejo ( a eterna Peppy Miller de O Artista) e foi um dos filmes que mais arrancaram lágrimas dos jurados (em uma das imagens divulgadas pelos veículos que fizeram a cobertura, Nicole Kidman, membro do júri desse ano, saiu bastante emocionada da sessão).
O filme retoma uma temática que parece constante na carreira de Farhadi desde então: relações familiares e choques culturais entre o Ocidente e o Oriente. Le Passé conta a história de uma mulher cujo marido, um iraniano, a deixa só com seus dois filhos a França, país de origem dela, para resolver pendências em sua terra natal. Quando retorna, ele descobre que a esposa refez a vida e iniciou um relacionamento com outro homem.
Há a possibilidade de que, pelo fato de Farhadi já ser figura conhecida em Hollywood (A Separação conseguiu não apenas indicações em categorias de filme estrangeiro, mas de roteiro), Le Passé seja a escolha da França. O filme tem mais potencial, inclusive, de conseguir indicações em categorias chave, como filme, direção e atriz. Mas também, se forem estratégicos, podem nomear A Vida de Adele como representante oficial do país em filme estrangeiro, categoria que tem mais chances, e centrar os esforços da campanha de Le Passé em categorias mais ambiciosas. Berenice Bejo já chega bem para o segundo semestre...
Quem também surgiu como um dos grandes nomes do festival foi Oscar Isaac - conhecido por viver o marido de Carey Mulligan em Drive - na pele do personagem título de Inside Llewyn Davis, homenagem ao folk norte-americano dos irmãos Coen (de Bravura Indômita e Onde os Fracos não têm vez). Também muito comentado no festival, Inside Llewyn Davis recebeu o Grande Prêmio do Júri, segunda grande honraria do festival, chegando próximo da Palma de Ouro.
Oscar Isaac interpreta um músico de Nova York que, na década de 1960, dizem ter sido a inspiração de Bob Dylan, Dave Van Ronk. O ator recebeu elogios rasgados da crítica especializada, bem como sua parceira de cena (novamente), Carey Mulligan. John Goodman, Garret Hedlund e Justin Timberlake completam o elenco da produção que chega no circuito comercial no segundo semestre. É daqueles candidatos a clássico cult pelos próximos anos.
Mais uma vez forte na competição, o México trouxe para o festival Heli, que venceu o prêmio de melhor direção, concedido a Amat Escalante (ano passado, Carlos Reygadas, de Post Tenebras Lux, ficou com o prêmio na categoria). O longa conta a história de uma menina de 12 anos que se envolve amorosamente com um jovem policial de 17 anos. A relação é descoberta pelo irmão mais velho da garota, o "Heli" que dá título ao filme, que, para salvá-la desse relacionamento potencialmente perigoso, se envolve com cartéis de drogas e policiais corruptos. O filme causou desconforto pelas cenas de tortura mostradas com um olhar quase documental, que parece ser mantido pelo diretor Amat Escalante durante todo o filme.
O melhor ator do festival, para o júri, foi Bruce Dern em seu grande retorno ao cinema com Nebraska, novo filme de Alexander Payne (Os Descendentes). Provavelmente uma das decisões sem consenso, arrisco o palpite. Fora a interpretação de Dern, o filme não impressionou muito as plateias das suas sessões, muito menos os críticos. Ainda assim, Nebraska parece ser um amadurecimento de Payne como diretor e roteirista. Em preto e branco, o longa acompanha a história de um homem que convence seu filho a ir até o Nebraska buscar um prêmio em dinheiro que alega ter ganho por lá.
Mais impactante que Nebraska, Behind the Candelabra, telefilme da HBO, anunciado como o último projeto em definitivo de Steven Soderbergh (o último para o cinema foi Terapia de Risco, em exibição nos cinemas brasileiros), gerou manifestações de lamento da crítica presente. Todos desejaram que o filme fosse um projeto para o cinema e não para a televisão.Vacilo dos estúdios que, demonstrando a estupidez habitual, não conseguiram enxergar o potencial de Behind the Candelabra no Oscar do ano que vem. Bom, ao menos vimos esse projeto ver a luz do dia...
O longa conta a vida do showman norte-americano Liberace. O filme terá como foco a relação entre o extravagante artista e o modelo Scott Thorson, com quem viveu durante seis anos e entrou em uma violenta batalha judicial tempos depois de separados.O filme, Soderbergh (diretor), Michael Douglas (ator) e Matt Damon (coadjuvante) são figuras certas no Emmy e no Globo de Ouro, provavelmente vitoriosos nas categorias de televisão. Quem sabe não é um estímulo para Soderbergh repensar sua decisão?
Quem não mandou nada bem no festival foi o aguardado Only God Forgives, reunião do diretor Nicolas Winding Refn com o ator Ryan Gosling (ambos estiveram juntos em Drive). Por ter sido uma das revelações de Cannes em 2011 com Drive, filme pelo qual venceu de cara o prêmio de melhor diretor no festival, muito se esperava de Refn em seu novo longa, possivelmente um dos mais aguardados da seleção.
O filme conta a história de Julian, um lutador que vive há anos em Bangkok e é surpreendido por um pedido da sua extravagante mãe: ela deseja que ele vá atrás dos responsáveis pela morte do seu irmão nas organizações criminosas mais sujas da cidade e dê fim a todos eles. Novamente, Refn mistura em seu filme a violência crua com características do cinema de arte.
Curiosamente, se a tentativa de prestar reverência a "escolas" cinematográficas em Drive funcionou, o mesmo recurso aplicado em Only God Forgives parece ter resultado em um longa não tão satisfatório. Para os veículos, de um modo geral, Only God Forgives foi uma decepção que vale a pena somente pela interpretação de Kristin Scott Thomas, que dizem estar surpreendente no papel da mãe de Ryan Gosling.
Tão decepcionante quanto Only God Forgives foi The Immigrant, mais recente longa de James Gray (Amantes). Junto com Blood Ties, de Guillaume Canet, foi provavelmente o filme que mais recebeu retornos negativos no festival. Curiosamente, ambos tinham a francesa Marion Cotillard como seu grande chamariz.
Em The Immigrant, Cotillard vive uma imigrante nos EUA que é forçada por um homem (Joaquin Phoenix) a se prostituir. A oportunidade de sair desse submundo vem por intermédio de um mágico, papel de Jeremy Renner, que oferece uma nova perspectiva de vida para a protagonista.
Os críticos chamaram The Immigrant de melodramático e frio, salvando-se do filme apenas a interpretação de Marion Cotillard. Ainda assim, como sempre aconteceu na carreira de Gray, as críticas negativas ficaram por conta de veículos norte-americanos, a imprensa francesa gostou muito do novo trabalho do diretor.
COMENTÁRIOS