Thomas Vinterberg se desamarra das suas próprias regras e alcança o espectador com o simples e acachapante A Caça
O erro é uma das falhas inerente ao homem e possivelmente a que ele menos tolera enfrentar. O longa dinamarquês A Caça, dirigido por um dos "filhos" da geração "Dogma", da qual participava Lars Von Trier, e que pregava o cinema em seu estado bruto como arte, quer enfrentar esse fantasma da sociedade ao longo da sua existência: a intolerância com erros de julgamento.O filme conta a história de um professor de jardim da infância que é acusado por uma das crianças de ter se insinuado sexualmente para ela. No entanto, como se percebe desde o início do filme, acusação é infundada, o homem é um poço de virtudes e passa a enfrentar um linchamento moral depois da denúncia, recebendo ameaças de morte e sendo isolado socialmente por uma comunidade pequena e bucólica do interior da Dinamarca.
Thomas Vinterberg desarticula qualquer ideia pré-concebida do espectador, ainda que por meio de um artifício aparentemente primário que é enobrecer o protagonista para evidenciar o equívoco dos demais personagens, mas tudo é muito sutil, sem possíveis espaços para maniqueísmos. No entanto, na medida em que o público acompanha este homem descer até o inferno, questiona o seu próprio senso de justiça.
Vinterberg é provocador e inverte as regras do jogo colocando acusado como vítima e os denunciantes como os verdadeiros algozes da situação. Contudo, o que Vinterberg quer não é relativizar a pedofilia, algo do qual foi acusado no lançamento do filme na Dinamarca e durante entrevistas no Festival de Cannes. O que o realizador quer é questionar nossa sana por justiça, levantando a hipótese de que em determinadas situações ela pode estar errada. A hipótese da pedofilia visa reforçar o choque que o diretor quer causar no confronto entre um acusado inocente e um público que indubitavelmente se posicionaria contra ele independente de um aprofundamento maior nas investigações sobre o caso. Só um crime como aquele para desestabilizar e mobilizar aquele grupo de pessoas. Mas desse mal nem ele nem nós pararemos de sofrer, parte da audiência continua interpretando filmes ao pé da letra.
Mads Mikkelsen inspirado em uma composição discreta, enaltecendo as características nobres do personagem com muita sutileza e introspecção, ao passo que externaliza toda sua revolta com a condição de culpado que aquele grupo lhe impõe, cresce como ator a cada desempenho, saindo do tipo excêntrico que lhe marcou após ser o vilão de 007 - Cassino Royale. Em uma das suas melhores cenas em A Caça, se é que é possível eleger uma, Mikkelsen tem um ataque de fúria no meio de uma missa na véspera de Natal, a grande catarse do personagem em todo o filme. Por este desempenho o ator ganhou o prêmio de melhor atuação masculina no Festival de Cannes passado.
A Caça sinaliza o faro humano para o erro, provocando questionamentos pertinentes sem recorrer a condicionamentos técnicos aos quais o próprio Thomas Vinterberg se impôs no início de sua carreira. O diretor deixa-se levar pelo drama de seu inusitado protagonista-mártir sem maiores artifícios, algo que possivelmente o próprio Lars Von Trier não se privaria. Vinterberg torna a trama mais intimista e talvez por isso mesmo mais sufocante e tensa para espectadores e personagens.
Jagten, 2012. Dir.: Thomas Vinterberg. Roteiro: Thomas Vinterberg e Tobias Lindholm. Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wederkopp, Lasse Fogelstrom, Susse Wold, Anne Louise Hssing, Lars Ranthe, Alexandra Rapaport, Ole Dupont. 115 min. Califórnia Filmes.
COMENTÁRIOS