Apesar dos equívocos da direção de Tom Hooper, Os Miseráveis triunfa pela dedicação do seu elenco afiado
Chegamos ao cúmulo das pessoas irem ao cinema assistir a um musical e reclamar ao final da sessão que os diálogos foram substituídos por canções (!!!). O caso de Os Miseráveis é ainda mais grave pois, se estabelecermos um paralelo com musicais contemporâneos, não se intercala diálogos e números musicais como em Moulin Rouge! ou Chicago. Semelhante ao que acontece com O Fantasma da Ópera, por exemplo, toda a trama aqui é contada por canções ou diálogos cantados. Recorrendo ao recente Holy Motors, a insatisfação de parte da plateia através desse argumento é reflexo da falta de instrução e cultura cinematográfica da mesma, que consome cinema da maneira mais banal possível e sequer busca informações sobre o que se está pretendendo assistir. No caso de Os Miseráveis, o mínimo de informação possível já ajudava.
Voltando ao filme, o novo trabalho de Tom Hooper é ousado, um gosto adquirido, hiperbólico até o último frame. Certos maneirismos do diretor vencedor do Oscar por O Discurso do Rei continuam aqui, o que mostra que não eram fatores isolados no filme de 2010, trata-se de uma marca de Hooper. Uma marca que, confesso, mostra-se boa parte do tempo incômoda e que confere ao longa um caráter televisivo. Hooper não obedece conceitos básicos de quadros, posicionamentos de câmera e opta por closes, sem explorar outros recursos que poderiam conferir maior riqueza ao filme em termos de linguagem cinematográfica (fotografia, direção de arte...). No entanto, a carta na manga do diretor está na condução do seu elenco e na empatia instantânea do material original. Caso encontre receptividade em quem está assistindo, e não a preconceituosa rejeição pelas características intrínsecas da obra ou gênero, Os Miseráveis é arrebatador.
Hugh Jackman assume um papel que lhe cai como uma luva. O australiano nasceu para interpretar o trágico Jean Valjean, conseguindo contornar a maior das dificuldades do projeto, compor um personagem e expressar características e sentimentos do mesmo através do canto, e não necessariamente de canções. Aliás, trata-se de um êxito de todos os envolvidos, até mesmo daqueles que não se saem muito bem nas qualidades vocais, como Russell Crowe, que tem ótimos momentos como Javert, algoz de Valjean. Mas é claro que o grande momento do musical é de Anne Hathaway, impecável em pouquíssimos minutos em cena, sobretudo quando interpreta "I dreamed a dream", o hino de Os Miseráveis. É o clímax de sua personagem no qual Hathaway comprova sua dedicação, técnica, precisão e sensibilidade. Existe também uma revelação, uma jovem atriz chamada Samantha Barks, que dá vida a Éponine, parte do triângulo ainda formado por Eddie Redmayne e Amanda Seyfried, sem falar na ótima dupla formada por Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen. Não fosse o empenho, paixão e dedicação de todos eles, Os Miseráveis não seria o que é.
É uma pena que o público tenha muita resistência com um gênero que durante tantos anos foi o carro-chefe dos grandes estúdios de Hollywood. Por mais que tenha encontrado brechas na contemporaneidade, os musicais ainda são vistos com descaso e um certo preconceito. Em Os Miseráveis, a resistência é ainda mais latente e incompreensível já que os detratores argumentam como falhas as características intrínsecas da própria obra.
Les Misérables, 2012. Dir.: Tom Hooper. Roteiro: William Nicholson. Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Eddie Redmayne, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Samantha Barks, Aaron Tveit, Daniel Huttlestone, Isabelle Allen, Colm Wilkinson, Richard Dixon. 158 min. UIP.
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