Cruel e sensível, o modesto Indomável Sonhadora mostra um país poucas vezes retratado nas telonas
Em uma região remota ao Sul da Louisiana, nos EUA, a garotinha Hushpuppy mora sozinha com seu pai em condições precárias. Ela e seus vizinhos sobrevivem à pobreza por não ter melhor opção e graças a válvulas de escape que eles mesmos criam. No caso de Hushpuppy, como é comum a toda e qualquer criança com seis anos de idade, cada dificuldade imposta pela vida é suavizada por meio de lendas sobre grandes bestas pré-históricas ou na preservação da presença de sua mãe em seu cotidiano na Banheira, como o lugar em que mora é conhecido em função dos constantes alagamentos causados por temporais.
Através dessa premissa, Indomável Sonhadora flerta com o chamado realismo fantástico - meio que passeia na proposta de Onde Vivem os Monstros -, mas Benh Zeitlin, seu diretor e roteirista, é bem claro em suas intenções: mostrar uma dura - e inédita nos cinemas, ao menos como foi retratada - realidade norte-americana através do olhar de uma criança. Hushpuppy é jogada nas mais terríveis condições e forjada ao endurecimento precoce para evitar maiores sofrimentos, ainda que seu pai, vez ou outra ensaie movimentos de recuo e ceda à constatação de que ela é apenas uma meninha cujo contexto já é ingrato e perverso o suficiente e que por vezes ceder às lágrimas é necessário.
Zeitlin concentra seu olhar preciso no universo ao redor de Hushpuppy e na própria narradora da história, interpretada encantadoramente por Quvenzhané Wallis, cujo instinto a leva por decisões extremamente maduras para qualquer candidata a atriz na sua idade (lembrando que na época em que o filme foi rodado ela tinha apenas cinco anos!). Wallis mescla doçura, encantamento pelo mundo e valentia em cada frame de Indomável Sonhadora tornando sua Hushpuppy a protagonista ideal dessa história árida contada com otimismo cru (todos ali estão cientes de sua condição e procuram fazer o melhor que podem com o pouco que têm).
Narrado com consciência cinematográfica de planos e contando com o magnetismo cênico da jovem Quvenzhané, Indomável Sonhadora aponta para novas possibilidades que o cinema independente norte-americano pode orientar-se, indo para uma estrada oposta a que seguiu o sonolento e cheio de marcações manjadas O Lado Bom da Vida. Trata-se de um filme com poucos recursos e que utiliza imaginação, improviso e muito talento para contar histórias de personagens críveis e latentes no cotidiano daquele país, mas que são esquecidos pelos meios massificados. Cabe a esse cinema revelá-los em suas paradoxais graças e tragédias.
Beasts of the Southern Wild, 2012. Dir.: Benh Zeitlin. Roteiro: Benh Zeitlin e Lucy Alibar. Elenco: Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Levy Easterly, Gina Montana, Lowell Landes, Pamela Harper, Amber Henry, Jonshel Alexander, Nicholas Clark. 93 min. Imagem Filmes.
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