Em cerimônia burocrática, Argo sai vitorioso com três Oscars, incluindo o de melhor filme. As Aventuras de Pi, Os Miseráveis, Django Livre e Lincoln também são premiados.
Ben Affleck, Grent Heslov e George Clooney, produtores de Argo, agradecem o prêmio de melhor filme. |
Essa é uma sensação particular, mas a cada ano que passa a festa do Oscar assume um tom burocrático, perdendo um pouco da sua identidade como show. Não sei se por escolha da própria Academia ou se por um processo natural da temporada de premiações, cada vez mais antecipada e empurrando a principal atração dela (o Oscar) para o final, ou mesmo se é um reflexo do meu próprio amadurecimento como telespectador e cinéfilo, mas o Oscar tá ficando chato. Paradoxalmente, continua sendo uma brincadeira muito divertida de se participar.
Nos últimos anos, tenho preferido a descontração e até mesmo a escolha dos apresentadores do Globo de Ouro. Esse ano, por exemplo, Tina Fey e Amy Poehler foram sensacionais. O mesmo não pode ser dito de Seth MacFarlane no Oscar que, apesar de um momento interessante aqui e ali (entre eles o número musical sobre os "peitinhos" das atrizes nos filmes e a apresentação da categoria sonora dublando mais uma vez o urso Ted), não convenceu como um todo, nem trouxe nada de especialmente surpreendente em suas piadas.
Claro que coordenada pela dupla de produtores vencedora do Oscar por Chicago, Craig Zadan e Neil Meron, os números musicais foram garantidos, tanto que um dos temas que permearam a cerimônia foi a presença dos musicais no prêmio nos últimos dez anos. No entanto, apesar de ter vibrado com a apresentação de Catherine Zeta-Jones, revivendo seu número "All that Jazz" em Chicago, ter praticamente voltado atrás na minha implicância com a vitória de Jennifer Hudson por Dreamgirls (sua apresentação de "And I'm telling you I'm not going" foi de arrepiar) e ter me emocionado com a reunião do elenco de Os Miseráveis, senti falta da presença de outro musical recente e muito importante (praticamente abriu a porta para todos esses) na homenagem: Moulin Rouge!. Nicole e Ewan mereciam seu momento "Come what may" no Oscar 2013, não há dúvidas.
Outra coisa que não deu para entender foi porque a cerimônia fez tanto alarde para a homenagem a James Bond com uma apresentação tão desinteressante dos filmes do personagem. Também não deu para entender porque o Oscar reservou uma apresentação tão impecável e pirotécnica para Adele e deixou Norah Jones no vácuo, sozinha no palco cantando a canção de Ted. Até dá, afinal de contas é Adele no Oscar! Não sei quando isso pode acontecer de novo.
Mas vamos aos prêmios!
Como esperado, já que todos os prêmios dos sindicatos sinalizavam para isso, Argo levou o Oscar de melhor filme com aquele fantasma, lembrado a todo momento na cerimônia, inclusive no discurso de aceitação do prêmio por Grent Heslov, da não indicação de Ben Affleck a melhor diretor. Affleck teve seu momento no microfone, certamente um dos mais emocionantes da noite, lembrando de sua última vitória na premiação, em 1998, pelo roteiro de Gênio Indomável, escrito em parceria com o amigo Matt Damon. Argo ainda levou as também esperadas estatuetas de melhor roteiro adaptado, recebida por Chris Terrio (que também lembrou da vitória anterior de Affleck), e de melhor montagem.
O que poderia ter sido visto como uma surpresa, não surpreendeu tanto assim. Nas últimas semanas, muito foi dito sobre uma possível rasteira que Ang Lee daria em Steven Spielberg, vencendo o Oscar de melhor direção por As Aventuras de Pi. Dito e feito, o taiwanês recebe sua segunda estatueta, a primeira foi também como melhor diretor por O Segredo de Brokeback Mountain. Aliás, As Aventuras de Pi roubou a cena nessa edição do Oscar, um destaque que era esperado para Lincoln, que das 12 categorias a que foi indicado saiu vitorioso em apenas duas. As Aventuras de Pi recebeu os previsíveis prêmios de fotografia, efeitos visuais ou especiais e trilha sonora original, trabalho do compositor Mychael Danna.
A categoria mais esperada e disputada da noite foi uma grande decepção. Como apontado por muitos, Jennifer Lawrence levou o Oscar de melhor atriz por O Lado Bom da Vida. Um tropeço tão grande quanto o que a atriz levou ao subir no palco para receber o prêmio. Inicialmente considerado um ano fraco para as atrizes, o Oscar 2013 acabou reunindo desempenhos espetaculares na categoria, interpretações mais fortes que as masculinas indicadas. Assim fica difícil acreditar que o desempenho de Lawrence seja o melhor com Emmanuelle Riva, Jessica Chastain, Naomi Watts e Quvenzhané Wallis na concorrência. Jennifer é uma atriz medíocre? Claro que não. A questão é que sua interpretação em O Lado Bom da Vida não merece um prêmio sequer e não chega aos pés dos seus trabalhos anteriores, o também indicado Inverno da Alma e Jogos Vorazes. Uma pena, mas a atriz entra para o hall das piores vencedoras na categoria, o que inclui Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado) e Reese Whiterspoon (Johnny e June). Ainda vamos olhar para trás e dizer: what the fuck?
Bom, se não tivemos o prazer de ver Emmanuelle Riva sair vitoriosa como melhor atriz, ao menos seu longa cumpriu a promessa. Amor ganhou a estatueta de melhor filme estrangeiro, recebida por seu diretor, o alemão Michael Haneke.
O prêmio de melhor ator para Lincoln, no entanto, compensou a falta cometida em melhor atriz. Por mais que ache que o desempenho de Joaquin Phoenix em O Mestre o melhor da categoria, não dá para dizer que o terceiro Oscar da carreira de Daniel Day-Lewis não seja merecido. Meryl Streep, vencedora do ano passado como melhor atriz, nem fez suspense para revelar o vencedor. Visivelmente emocionado, uma emoção nada montada, Day-Lewis deu um verdadeiro banho de simplicidade, simpatia e elegância no palco. Deu tempo até do ator fazer uma graça com Streep e com a fama que os dois carregam de aplicarem métodos rigorosos em suas interpretações. Day-Lewis disse que aceitou Lincoln após a recusa da atriz para viver o papel e que no ano anterior também havia recusado viver Margaret Tatcher em A Dama de Ferro.
Fora a estatueta de melhor ator, o longa de Spielberg saiu apenas com o Oscar de melhor direção de arte, um prêmio que esperava que fosse para As Aventuras de Pi, repetindo a avalanche de prêmios técnicos e artísticos do filme de Ang Lee. Mas depois tudo fez sentido por Lincoln ser um filme de gabinete e reproduzir com precisão de detalhes os espaços que servem de cenário para os principais diálogos do longa.
Anne Hathaway também era aposta certa como melhor atriz coadjuvante por Os Miseráveis. E como a atriz disse em seu próprio discurso, o sonho se tornou realidade. Mas tudo favoreceu a moça naquela cerimônia, além de ter cantado ao vivo com o elenco do musical de Tom Hooper, sua apresentação foi precedida dos números musicais de Catherine Zeta-Jones e Jennifer Hudson, atrizes que venceram anteriormente na categoria por musicais. Aliás tudo favoreceu o filme naquela noite (estava quase convencido de que Jackman poderia ser uma zebra e levar a estatueta de melhor ator do favorito Day-Lewis), afinal a cerimônia era uma homenagem aos musicais e Os Miseráveis era o único representante do gênero na noite. O filme também recebeu outras duas estatuetas, a de melhor maquiagem e de melhor mixagem de som, ambas bem previsíveis também.
Além de melhor atriz, outra categoria disputadíssima nesse ano era a de melhor ator coadjuvante. Todos os indicados já foram vencedores do prêmio e não havia desempenho destoante, tanto que em outras premiações as vitórias foram distribuídas, com uma pontinha de favoritismo para Tommy Lee Jones e a ascensão do nome de Robert DeNiro nas bolsas de apostas. Mas o vencedor esse ano foi o ganhador do Globo de Ouro, Christoph Waltz, por Django Livre. Trata-se da segunda vitória do ator, em curtíssimo espaço de tempo, por um filme de Quentin Tarantino, a anterior foi por Bastardos Inglórios na edição de 2010 do prêmio.
Waltz fez um discurso espirituoso logo no início da festa, reverenciando o talento de Tarantino e sua vitória foi um demonstrativo da aceitação do cineasta na Academia. Blocos mais tarde, o longa receberia uma segunda estatueta, a de melhor roteiro original, segundo Oscar da carreira de Tarantino (o anterior foi na mesma categoria em 1995 por Pulp Fiction). E mais uma vez vou deixar bem claro, apesar de ser um dos filmes mais populares da filmografia do cineasta, não vejo Django Livre como um Tarantino na melhor forma e o amor que tenho por sua filmografia não pode ser maior do que a constatação de que seu recente longa tem seus percalços, entre eles, o desnecessário terceiro ato.
A disputa pelo prêmio de roteiro original deve ter ficado entre ele e A Hora mais Escura, meu favorito na categoria, e que saiu apenas com o prêmio de melhor som. Por sinal, o filme de Kathryn Bigelow protagonizou um momento raro na história da Academia, empatou com 007 - Operação Skyfall em melhor som, uma das surpresas que movimentou a noite.
007 - Operação Skyfall também recebeu o óbvio prêmio de melhor canção original por "Skyfall", que tinha entre seus compositores Adele. O novo longa da franquia protagonizada por James Bond fez história na Academia, sendo o filme com maior número de vitórias no Oscar até hoje, dois prêmios.
Também fora da lista de indicados a melhor filme, o controverso romance de Joe Wright baseado no clássico de Tolstói, Anna Karenina levou a esperada estatueta de melhor figurino.
A animação da Pixar, Valente, foi escolhida como o melhor longa de animação. Uma surpresa, já que Detona Ralph e Frankenweenie monopolizaram as atenções e Valente foi um dos filmes da Pixar com a recepção mais fria até hoje.
Entre os curtas e na categoria documentário não existiram surpresas. Talvez o mais próximo que tenhamos chegado do espanto foi a vitória de Inocente como melhor curta de ficção em live action, quando todos esperavam que Curfew fosse faturar o prêmio.
No geral, a distribuição de prêmios foi igualitária em um ano mais acirrado que o habitual e que contava com super-produções indicadas a melhor filme, algo que não acontecia há um certo tempo. Se houve justiça, difícil dizer. Todo prêmio é um consenso e as decisões têm que ser compreendidas com um olhar sobre quem as faz. No caso, um grupo numeroso de profissionais da área, com amizades escancaradas e pensamento do público médio, com pontos isolados de grupos que pensam o cinema como arte, o cinema crítico (o mesmo grupo que conseguiu a entrada de longas como Amor e A Hora mais Escura, mas que não é o suficiente para garantir a vitória na soma dos votos. Em alguns casos acontece de agradar os dois perfis de votantes, como foi o caso de Django Livre, mas em outros é extremamente difícil quebrar a resistência. O que podemos fazer é nos conformar e não levar tão a sério assim. O que vale mesmo na temporada é o entretenimento, a brincadeira. É isso que aprendi com 14 anos acompanhando a transmissão do Oscar, sobretudo com essa temporada que, em um movimento raro, trouxe grandes produções com inegável qualidade artística.
As Aventuras de Pi
Vencedor de 4 0scars
Melhor Diretor
Melhor Fotografia
Melhor Trilha Sonora Original
Melhores Efeitos Visuais ou Especiais
Argo
Vencedor de 3 Oscars
Melhor Filme
Melhor Roteiro Adaptado
Melhor Montagem
Os Miseráveis
Vencedor de 3 Oscars
Melhor Atriz Coadjuvante (Anne Hathaway)
Melhor Maquiagem
Melhor Mixagem de Som
Django Livre
Vencedor de 2 Oscars
Melhor Roteiro Original
Melhor Ator Coadjuvante (Christoph Waltz)
Lincoln
Vencedor de 2 Oscars
Melhor Ator (Daniel Day-Lewis)
Melhor Direção de Arte
007 - Operação Skyfall
Vencedor de 2 Oscars
Melhor Canção Original ("Skyfall")
Melhor Som
O Lado Bom da Vida
Vencedor de 1 Oscar
Melhor Atriz (Jennifer Lawrence)
Amor
Vencedor de 1 Oscar
Melhor Filme em Língua Estrangeira
Anna Karenina
Vencedor de 1 Oscar
Melhor Figurino
A Hora mais Escura
Vencedor de 1 Oscar
Melhor Som
Valente
Vencedor de 1 Oscar
Melhor Longa de Animação
Curtas e Documentários:
Melhor Documentário: Searching for Sugar Man
Melhor Curta Documentário: Open Heart
Melhor Curta de Animação: Paperman
Melhor Curta de Ficção (Live Action): Inocente
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