Lincoln revigora a filmografia de Spielberg por não apresentar-se como uma esperada biografia do personagem título
Quando Spielberg acerta, acerta em cheio. Lincoln é sim o melhor trabalho do cineasta desde Minority Report, ficção-científica de 2002 protagonizada por Tom Cruise. No entanto, o filme não chega a ser melhor que os dois melhores exemplares do mesmo gênero em sua carreira, A Lista de Schindler e O Retorno do Soldado Ryan. O maior acerto do diretor em Lincoln é desviar-se da rota das biografias acadêmicas para torná-lo um longa que discuta a essência da democracia e nos mostre o porque de Abraham Lincoln ser um dos homens mais admirados e celebrados da história contemporânea.
Lincoln trata mais sobre a discussão política que girou em torno da emenda à Constituição norte-americana que garantiria o fim da escravidão e que ficou marcada como uma dos principais entraves para o fim da Guerra Civil entre Sul e Norte no país. Através desse bastidor político, as batalhas são travadas unicamente pelas ideias, o diretor Steven Spielberg e o roteirista Tony Kushner querem mostrar a origem da admiração por aquele homem alto e de voz suave que liderou o país em tempos tão frágeis.
A intenção é louvável e exitosa durante boa parte da projeção. O roteiro de Kushner é afiado e Spielberg, sempre cercado pela melhor equipe de profissionais possível, realiza opções pertinentes em sua condução. O elenco é uma das maiores virtudes do longa, sem dúvida. Daniel Day-Lewis supera-se mais uma vez dando vida a um Lincoln palpável, de voz suave, mas ideias convictas e que, pelo caminhar e pela postura, parecem não suportar o peso das responsabilidades e dos julgamentos que recaem sobre todo líder político. Além disso, Day-Lewis segue a proposta de Spielberg e torna o personagem uma figura humana admirável, cheia de virtudes, apesar (e por conta dela mesma) da passividade com os dramas de sua mulher, algo que é compensado pela devoção que tem com seu filho mais novo e o carinho distante pelo mais velho, uma responsabilidade que assumiu para si já que Mary Todd mergulhava em uma depressão profunda. A esposa de Lincoln é vivida por Sally Field, que a despeito do que falam e das indicações a prêmios percorre o caminho óbvio da loucura de sua personagem, não é a interpretação mais interessante do filme, ainda que tenha bons momentos. Entre os coadjuvantes, o destaque vai mesmo para Tommy Lee Jones, irretocável como um dos parlamentares a favor da libertação dos negros, por motivos que somente mais adiante o espectador passa a conhecer.
Tecnicamente irrepreensível, Lincoln revela suas virtudes no teor humanitário de sua narrativa. Mais preocupado em discutir questões como igualdade, democracia e liberdade, Spielberg jamais deixa que uma previsível abordagem ufanista possa atrapalhar seus objetivos: discutir a importância e dimensionar a relevância do acontecimento histórico narrado. Em Lincoln, Abraham Lincoln é apenas um instrumento pertinente para se alcançar os objetivos do projeto, ser um tratado sobre o maior desafio da humanidade, a tolerância.
Lincoln, 2012. Dir.: Steven Spielberg. Roteiro: Tony Kushner. Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt, James Spader, Hal Holbrook, John Hawkes, Jackie Earle Haley, Gloria Reuben, Gulliver McGrath, Tim Blake Nelson, Joseph Cross, Lee Pace, Jared Harris, David Oyelowo. 150 min. Fox.
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